Em Destaques, Polêmica na Blogosfera

Jamil Salmi – Center for International Higher Education.

http://www.insidehighered.com/blogs/world-view/governance-challenge-ibero-american-universities

Tradução: Jaime Taube

Um relatório publicado no Reino Unido em 2013 sugeriu a imagem de uma avalanche para descrever mudanças radicais que vêm afetando a educação terciária em diversas partes ao redor doglobo (Barber, M., Donnelly, K., S. Rizvi, 2013). De fato, um número cada vez maior de descontinuidades estão em jogo e contribuem para a transformação do ecossistema em que operam as instituições deensino superior, influenciando de forma drástica a forma como estasdesempenham suas funções de pesquisa e ensino. Entre taisdescontinuidades se incluem inovações tecnológicas como “salas de aula invertida para educação interativa” (flipped classrooms), cursos disponíveis online que são acessados por centenas de milhares de estudantes em diferentes partes do globo, a concorrência introduzida por grandes corporações de ensino superior privado, mais ágeis na oferta de qualificação profissional afinada com as demandas do mercado, e novas metodologias de classificação (ranking) capazes de comparar o desempenho de universidades em diferentes partes domundo.

Apesar das dificuldades, ou imperfeições, relacionadas às diferentes metodologias empregadas, tais classificações representam o principal mecanismo para que se identifique, a partir de critérios objetivos, quais sejam as universidades mais qualificadas. Esse esforço contribui para que se isole os fatores que mais contribuem para o seu sucesso. A governança, em particular, aparece como umdos elementos mais críticos, essencial para que a universidade alcance um alto nível de desempenho.

Ao longo da última década, muitos países têm implementandoreformas significativas no sentido de modernizar o aparato regulatório no qual as instituições de ensino superior operam, migrando de sistemas centralizados de controle para sistemas menoscentralizados, de forma que as universidades passam a desfrutar de maior autonomia. Universidades autônomas são caracterizadas pela existência de um conselho independente, onde a maioria de seusintegrantes sejam representantes da sociedade, externos à instituição, onde prevaleçam critérios e procedimentos objetivos para a seleção dos mesmos, e onde se adotem regras e políticas flexíveis para o recrutamento, remuneração, e retenção de funcionários e docentes.

As universidades presentes no mundo Ibero-Americano, contudo, não estão na vanguarda dessas reformas. Pelo contrário, em geral tendem a sofrer de sérias limitações devido à sua tradição populista, caracterizada por eleições democráticas de seus presidentes ou reitores, com participação de todos os representantes da corporação (professores, alunos e funcionários), frequentemente elegendo para tais postos acadêmicos já inseridos em seu ambiente, e ausência de interações relevantes com a comunidade científica internacional. Todas essas tendências prevalecem na maior parte das Universidades Espanholas e Latino Americanas.

​No caso espanhol, a ausência de universidades de reconhecimento internacional e a baixa produção científica do país é motivo de preocupação, como indicado em estudo recente preparado por um grupo de lideranças acadêmicas a pedido do governo da Espanha. Nenhuma universidade espanhola se encontra entre as 200 melhores universidades do mundo de acordo com o rankingShanghai, enquanto outros países como o Reino Unido, a França, aAlemanha, ou mesmo países europeus menores como a Suíça, Dinamarca e Suécia, estão fortemente representadas entre as universidades naquela mesma faixa de classificação.

Um aspecto essencial para a melhora na qualidade da universidade pública na Espanha é a necessidade de se reformar a composição e o papel de seus conselhos deliberativos, assim como o processo de seleção de seus reitores ou presidentes. A realidade, no entanto, é o modelo de governança atual que se baseia em um processo decisório coletivo, condicionado pelos interesses imediatos dos integrantes da corporação, que tendem a prevalecer sobre a excelência acadêmica que a sociedade espera dela e da qual necessita. […] tais processos costumam ser demorados, complexos e dominados pela burocracia e ineficiência (Relatório da Comissão de Especialistas para a Reforma do Sistema Universitário espanhol, 2013).

No caso da América Latina, onde residem 8,5% da população mundial, e cujas economias representam, em seu agregado, 8,7% do PIB Global, suas Universidades representam apenas 2,2% das 500 melhores do ranking Shanghai, menos de 1,5% das 400 melhores do ranking Times Higher Education, e 2,6% das 500 melhores universidades, de acordo com o ranking bibliometric de Leiden. Osdesempenhos do Brasil e do México (a sexta e a décima-quarta economia do mundo respectivamente) são muito baixos se comparados com os desempenhos de países menores como Israel, que possui três universidades entre as 100 melhores de acordo com o ranking Shanghai, ou da Holanda, com duas universidadesclassificadas na mesma faixa. No caso dos dois países citados (Brasil e México), o modesto desempenho de suas universidades pode seratribuído à ausência de lideranças de qualidade, política interna, e uma plataforma populista que não deixa margem para reformas mais profundas.

Recentemente o Premier da província de Ontário no Canadá visitou o Estado de Minnesota, no Estados Unidos, e em seu discurso teria dito que “no mundo de hoje todos os países são iguais. Pode-se levantar empréstimos, copiar tecnologias, comprar matéria prima.Somente o talento prevalece como elemento de diferenciação”. Essa crença está claramente refletida nas prioridades que nações do lesteasiático e Escandinávia vem dando à educação, em todos os seus níveis. A Espanha, por outro lado, assim como a maioria dos países da América Latina, ainda não colocam seu capital humano no centro de seus esforços para o desenvolvimento econômico e transformação social. A atual crise econômica e financeira dificulta ainda mais a realização dos investimentos de longo prazo requeridos para que se alcance um melhor nível de educação nesses países.

Um artigo recentemente publicado na revista inglesa TheEconomist (2013), intitulado: “Let’s go Denmark”, analisou as virtudes da cultura política dos países Escandinavos. Uma forte tradição de costura de acordos entre as diferentes forças políticas, em conjunto com a capacidade de levar à frente mudanças audaciosas, têm feito com que esses países se transformem gradativamente em economias baseadas no conhecimento, sem que com isso corroam seu tecido social, caracterizado por um alto grau de coesão e inclusão. A capacidade desses países em levar à frente reformas de longo prazo importantes, via consenso, também lhe é peculiar, e sãonormalmente reconhecidas como políticas de Estado, em vez de simplesmente agendas de um governo particular, condicionadas por vantagens eleitorais de curto prazo. Replicar essa experiência seja talvez o maior desafio para os países Ibero-Americanos, onde há pouca tradição de reformas audaciosas que emanem de amplo apoio da sociedade e consenso partidário.

 

 

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