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Leonardo Padura já era conhecido no cenário da literatura em língua espanhola pela habilidade de juntar a novela policial à crítica social sem comprometer o suspense. Seu personagem, o detetive e ex-policial Mário Conde, “arrasta sua melancolia” por uma Havana econômica, social e moralmente falida, garimpando livros usados com a mesma astúcia com que investiga crimes.

Em O Homem que amava os cachorros, publicado no Brasil pela Boitempo Editorial, em 2013, Padura consegue impregnar de suspense um romance histórico sobre o exílio e morte de Leon Trotsky. Ou, visto por outro ângulo, sobre o processo de transformação do jovem militante comunista catalão, Ramón Mercader, em um assassino frio. Os dois se confrontam em Coyoacan, no México, em 21 de agosto de 1940, num embate fatal entre ódio e paixão pelo mesmo personagem: Josef Stalin. Trotsky morre alguns dias depois de ter sido atacado por Mercader que, depois de cumprir duas décadas de pena no México, refugia-se em Cuba.

E é exatamente aí, em Cuba, que começa e termina a história. Neste intervalo, com habilidade de mestre, Padura conduz o leitor por um vai e vem vertiginoso pela história social e política das décadas de 1930 e 1940, e, intermitentemente, o aporta em Havana nos dias atuais, desde onde Ivan Cardenas, o narrador, relata seu encontro como um homem que passeava seus cachorros e que descobre ter sido o assassino de Trotsky.

Reconstitui, ao longo de 585 páginas, a dramática itinerância de Trotsky e de sua mulher Natalia, banidos por Stalin, desde as estepes do Quirguistão, passando pela  ilha de Prínkipo, na Turquia; Saint-Palais e Barbizon, na França; o povoado de Vexhall, na Noruega; até o México, onde é recebido por Diego Rivera e sua mulher, Frida Kahlo, por quem se apaixona. E descreve a trajetória do assassino: recrutado pela mãe, Caridad del Rio Mercader, Ramón foi treinado para a “missão especial” nas cercanias de Moscou por agentes do NKVD, a polícia política soviética.

Padura confessa que foi um “exercício literário difícil”. Dois anos de investigação e três para construir uma “narrativa de fôlego” sobre um tema que o intrigava desde a universidade, nos anos 1970. “Na biblioteca havia dois livros sobre Trotsky, ambos editados em Moscou, em que ele era tratado como uma espécie de profeta traidor da causa do socialismo”, contou Padura, num encontro promovido pelo SESC, em 15 de abril, em São Paulo. Anos depois, descobriu que Ramón Mercader – com o nome de Ramón Lopez – morrera em Cuba, completamente anônimo. “Eu poderia ter cruzado com ele em Havana. Seu filho era um pouco mais velho que eu!”

Ao iniciar a pesquisa, a quantidade de informações disponível sobre Trotsky – coletadas com o apoio de uma rede de colaboradores – dificultou a construção do personagem. “Comecei escrever o livro em primeira pessoa, mas eu não conseguia me meter na cabeça de Trotsky. Reescrevi em terceira pessoa e então pude olhar de fora”. Com o personagem de Ramón Mercader foi mais fácil. “Ele não tem passado. Sai de cena em 1936 quando segue para treinamento em Moscou e entra na história no dia em que mata Trotsky. Por isso, tive mais liberdade”.

No encontro do SESC, em abril, Padura sublinhou que, em nenhum momento, pretendeu escrever sobre política ou “fazer literatura política”. Reconhece, no entanto, que em se tratando de Trotsky – e tendo como antagonista Stalin – o carimbo é inevitável.

Créditos de imagem: diarioliberdade.org

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