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Por Jorge Barcellos

O processo de votação da autorização para início do processo de impeachment de Dilma Rousseff, realizado no último domingo (17/04) mostra como as fronteiras que separam a política da cultura se esfumaram: agora, a política também faz parte da indústria cultural, o que é, de certa forma, nossa maneira de culturalizar a política. Agora, a política participa da hipercultura midiática tanto quanto o cinema, a música, a televisão, uma cultura que tem como característica “o signo hiperbólico da sedução, do espetáculo, da diversão de massa “, como afirma o sociólogo Gilles Lipovestksy em seu A Estetização do Mundo (Cia das Letras, 2015).

Agora até uma sessão de votação segue o ritmo dos programas de TV, transformando-se no espetáculo de divertimento das massas. O que era a conquista da audiência cativa promovida pelo terrível espetáculo de julgar uma Presidente, nos termos do Ministro Cardoso, sem culpa alguma? o que era a teatralização de cada voto, onde cada deputado imitava, com seu discurso, se não outra forma de se inspirar no show bussiness?. Uma piada do Sensacionalista, um site de internet, durante a votação afirmava que o deputado que anunciou um carro enquanto votava o vendeu em cinco minutos se não a imagem da verdade oculta sobre a imagem de cada discurso, a de que estava ali para vender uma imagem, no caso, a de cada político? Essa ironia da realidade serve para mostrar que o desfile de deputados em direção ao microfone do Congresso funcionava, à sua maneira, como a imitação do… desfile de moda, onde em ambos, o que vale é a performance artística. Não era isso que se via em cada deputado que afirmava o seu sim: não houve inclusive, aquele deputado que estourou um lança-papel, típico do carnaval? Nada mais cênico, nada mais teatral. É disso que se trata: o que acontece com o teatro da política na era da indústria cultural de massas? Resposta: o mesmo que com os demais produtos da indústria cultura, um espaço sem conteúdo. A imagem do quadro de Adnet, onde ele busca o que há numa caixa, que contem outra caixa, para chegar ao final e encontrar um solene “nada”, é o espelho convexo e deformador que também serve para a política.

O que surpreende é que determinados deputados assumam o papel de distração das massas, com seus discursos estapafúrdios, com suas lembranças à família e a tradição, onde a noção de cultura e de arte se misturam e onde todo o significado se esvazia. Não há como negar: no processo de votação, os recursos do espetáculo e do divertimento de massas foram usados sem parcimônia. Estamos diante do parlamento entertainment, forma perversa de organização política que aspira a se transformar em arte de massa, onde um processo administrativo se transforma em um veículo de consumo distrativo da população, especialmente aquela situada a direita do espectro político, fazendo o que a massa deseja ver. E o que as massas sedentas de direita querem ver é o sangue.

Quer dizer, o problema não é o mais o fato de que a lógica do espetáculo, ou como prefere Lipovetsky, da sociedade do hiperespetáulo, o problema é que não são apenas as atividades mercantis que seguem sua lógica, mas também as atividades políticas. Isso se faz porque a televisão adentrou na política, com a TV Senado e a TV Câmara. A política familiarizou-se a tela generalizada, as plataformas de internet e vê-se o desespero para gravar a imagem do voto, equivalente da necessidade de imediatamente colocar tal imagem nas redes sociais. Nesse universo, cada político é seu próprio gerente de marketing, e produzir informações e imagens de sí próprio se torna uma obsessão da política. A questão central, se Dilma Rousseff provocou crime de responsabilidade, ficou em segundo lugar, o processo de impeachment, a qualquer custo, era a tônica do espetáculo. Como no BBB, é a lógica da eliminação que faz agora o show da política.

A votação do impeachment, neste sentido, adequa-se perfeitamente a este novo estado de coisas. Ora, o universo do espetáculo sempre foi o universo da ilusão. Foi essa forma que a esquerda insistentemente tentou denunciar, mas que não foi ouvida: é uma ilusão a justiça quando seus atores são investigados; é uma ilusão julgar Dilma por crimes quando sua prática foi legal –ou dentro dos limites reconhecidos de legalidade. Nos termos de Lipovestky, o que se viu foram cenas de política hipersensacionalista, o hiperespetáculo está se tornando uma nova peça da política. Esse hipersensacionalismo era visto à direita na provocação da emoção, dos estímulos imediatos que cada parlamentar associava ao seu voto.

Nesse universo político e espetacular, a estrela de cinema é substituída pelo político e seu discurso; cada um acredita que faz parte desse star system, cada político quer ver asi mesmo como estrela deste processo que inicia a queda do atual governo. Mas como hiperespetáculo da política, tudo é feito para o prazer imediato do público consumidor, no caso, a direita. Não há missão transcendente de fazer justiça, somente espetáculo. Finaliza Lipovestky: ”A sociedade do hiperespetáculo sela a união do econômico, do divertimento e da sedução: ela é a sociedade que trata todos os temas na forma de divertimento, que transforma todas as coisas — a cultura, a informação, a política — em espetáculo de show business, visando a prazeres e emoções a serem incessantemente renovados“ (P.270).

Do FB do Autor[http://bit.ly/1qSZzJN]: 18/04/2016.

Jorge Barcellos. Historiador e Doutor em Educação.


Imagem: Reuters

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