Em Conjuntura Internacional, Destaques

A 16 de janeiro de 2016, os EUA e a UE (União Europeia) anunciaram a revogação de uma parte das sanções que há algumas décadas pesavam sobre o Irã. A revogação tornara-se possível depois que a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) atestou que Teerã havia cumprido as obrigações assumidas no acordo em torno do programa nuclear iraniano, assinado em Viena (14.07.15) entre o Irã e o P5+1 (os cinco permanentes do CSNU mais a Alemanha). Na coluna de 3 de agosto de 2015, eu dei notícia dessa assinatura e das primeiras reações ao acordo nuclear, no Ocidente e no próprio Irã. Cabe agora dizer um pouco mais sobre os itens acertados e o impacto do acordo no Oriente Próximo e no mundo. Com a entrada em vigor do acordo, o Irã terá acesso a 100 bilhões de dólares de bens congelados. Poderá também usar novas oportunidades comerciais, financeiras e no setor do petróleo. Para obter isso, o Irã transferiu para outros países 11,4 mil quilos de urânio enriquecido; desmontou dois terços das suas centrífugas nucleares; inutilizou o reator plutonífero em funcionamento no país; e, por fim, abriu suas instalações nucleares a fiscais da AIEA, mantendo-se aberto a tal fiscalização por quinze anos mais, pelo menos. Com a quarta maior reserva de petróleo e a segunda de gás natural do mundo, o Irã, que já foi um gigante no mercado internacional do petróleo, esperava ansiosamente a revogação das inibidoras sanções. Alimentavam-se as expectativas de uma exportação da ordem de 500 mil barris por dia, num prazo de seis meses, e de 3.500 b/d até 2017. Todavia, a situação real encontrada é desanimadora. Graças em boa parte à movimentação da Arábia Saudita, os hidrocarbonetos iranianos estão encontrando um mercado abarrotado de petróleo, com o barril de bruto cotado já abaixo dos 30 dólares.

Uma semana depois do levantamento das sanções ligadas ao projeto nuclear, o Irã recebeu a visita de um líder estrangeiro: o Presidente chinês Xi Jinping, que desembarcou em Teerã na sexta-feira 22 de janeiro e dedicou o sábado 23 a encontros de alto nível. Merecem destaque as conversas com o líder supremo Aiatolá Ali Khamenei e com o presidente do Parlamento Ali Larijani, ambos os quais agradeceram ao visitante “a importante contribuição da China na obtenção de um desfecho político para as negociações em torno do programa nuclear iraniano”. Os dois interlocutores coincidiram também em apoiar a elevação das relações bilaterais com a China ao nível de parceria estratégica compreensiva, que é o grau máximo de bom relacionamento buscado por Pequim. Xi Jinping, de seu lado, saudou a visita como um marco no relacionamento milenar entre a China e o Irã. Comunicado comum assinado após as conversas anunciou a criação de um mecanismo para reuniões anuais dos Ministros das Relações Exteriores, de modo a aprofundar a confiança mútua entre os dois regimes. No documento, a China apoia a candidatura do Irã a membro pleno da OCS (Organização de Cooperação de Shangai).

Os governantes iranianos não estão perdendo tempo. Mal partiu Xi Jinping, o Presidente Hassan Rohani tomou a estrada à frente de uma delegação de 120 membros, entre empresários e autoridades públicas. Foram inicialmente à China, onde assinaram um acordo para expandir as relações comerciais bilaterais, e dali encetaram a segunda etapa da viagem, em direção à Europa. A Europa era o maior parceiro comercial do Irã antes dos embargos, e neste curto período após a revogação dos mesmos, missões comerciais europeias têm desfilado por Teerã. Rohani esteve agora na Itália e França, levantando na Itália créditos de US$17 bilhões para ferrovias e oleodutos; e encomendando na França uma nova frota de 114 aerobuses. Realizou também expressiva visita ao Papa. Rohani tem-se posicionado contra a pregação anti-holocausto do seu antecessor, Ahmadinejad, e recebeu elogios do Vaticano pela conclusão negociada do acordo nuclear. A propósito do qual, aliás, vale citar artigo de Mark Fitzpatrick, do ISIS de Londres (Survival, Oct/Nov 2015). O autor procede a uma ampla avaliação dos compromissos assumidos no acordo de Viena, para concluir com a afirmação de que esse acordo é mais disciplinador para o Irã do que o próprio TNP (Tratado de Não Proliferação).

Paradoxalmente, é nos EUA, cuja diplomacia foi tão decisiva, sob a impulsão do Presidente Barack Obama, na exitosa finalização das negociações com o irã, que ainda perduram resistências ao acordo de Viena. Cedendo às pressões do Primeiro Ministro de Israel e do lobby sionista de Washington, o Congresso americano deixou passar em branco os 60 dias de que dispunha para pronunciar-se sobre o acordo e vê o clima esquentar com o início das pelejas pela próxima renovação presidencial. Os defensores do acordo são rotulados de traidores da pátria e partidários do holocausto. Tudo faz crer que nem a Câmara nem o Senado aprovarão o acordo com o Irã, forçando o Presidente a vetar a eventual resolução dos congressistas. Obama não tem deixado de saudar o acordo. No dia 16 de janeiro ele celebrou o “momento histórico” em que os EUA, “sem se arriscar a uma outra guerra no Oriente Próximo”, impediu que o Irã obtenha armas nucleares. Após a revogação das sanções econômicas e financeiras impostas pelos EUA e UE em função do programa nuclear, e da troca de prisioneiros (inclusive, em Teerã, a libertação do jornalista Jason Rezalan), Obama ainda se sentiu compelido a estabelecer uma nova série de sanções contra empresas e personalidades iranianas, sob a alegação de desrespeito a proibições do Conselho de Segurança relativamente à construção de mísseis balísticos. Hassan Rohani reagiu vigorosamente à imposição dessas sanções, consideradas abusivas: “Estaremos comprometidos com o acordo nuclear na medida em que o outro lado também esteja” – proclamou ele, acrescentando que os mísseis iranianos são concebidos para transportar armamento convencional e sua produção não será interrompida.


Imagem: Carlos Barria/Reuters

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