Em Conjuntura Internacional, Destaques

Por Leonardo Padura

O assassinato do jovem repórter Rubén Espinosa na capital mexicana foi, para alguns, a gota de água que fez o copo transbordar.

Depois de ter de fugir do Estado de Veracruz por medo do que poderia lhe acontecer nesse território, que se converteu em túmulo de jornalistas, Espinosa, instalado no Distrito Federal, achou-se a salvo da caçada organizada contra os profissionais de imprensa no México. Mas o país não foi grande o suficiente para ele ficar a salvo. Chegamos ao fundo do poço, disseram alguns de seus colegas e ativistas civis.

Já no início deste ano, tivemos a sensação de ter chegado ao fundo do abismo, e um grupo de escritores assinamos uma carta, dirigida ao diretor do Hay Festival, de Xalapa, pedindo que esse prestigioso encontro cultural fosse tirado do Estado de Veracruz, pois um lugar onde o assassinato de jornalistas converteu-se em praxe macabra não merecia o reconhecimento que significa a presença ali de escritores reconhecidos de todo o mundo.

Naquela ocasião, o fato que pareceu ser a gota de água foi o assassinato (por degolamento) do colega Moisés Sánchez, depois de ser arrancado de sua casa por forças paramilitares.

Mais de cem jornalistas já foram assassinados neste século no México, e dezenas deles foram deslocados de seus locais de trabalho e origem pelas ameaças recebidas. O pior lugar de todos é precisamente Veracruz, cujo governador, ante as críticas recebidas pelo estado de insegurança em que ali vivem os jornalistas, disse: “Lamentavelmente, alguns dos colaboradores e trabalhadores dos meios de comunicação têm vínculos com grupos da criminalidade e também estão expostos a essa situação. Comportem-se bem, todos sabemos que quem anda pelo mau caminho…”.

E ainda há quem pergunte sobre as razões do estado calamitoso do jornalismo em nível universal? Se o que acontece no México pode ser visto como caso extremo, em muitos outros países do mundo os jornalistas vivem em estado de risco físico ou profissional, pressionados pelas esferas de decisão política, econômica ou editorial que não querem de modo algum que exista um jornalismo com função informativa e cívica, como a que se supõe que deve ter esse “quarto poder”.

Porque se no México se assassinam os profissionais incômodos, em outros lugares busca-se modos de silenciá-los, ou, melhor, de utilizá-los. As dissidências são castigadas das mais diversas maneiras, e muitos profissionais dos meios de comunicação já aprenderam a lição muito bem.

Resultado: a superficialidade nas análises e o servilismo do poder público, que tomou conta de grande parte do trabalho informativo. Por isso, fica cada vez mais evidente a improvisação e a falta de profissionalismo de muitos dos que vivem do exercício do jornalismo.

Seus salários são cada vez menos atraentes, e as redações se enchem cada vez mais de jovens pouco preparados, que precisam ganhar o pão e não buscar complicações para suas vidas. Em lugares onde se fala com orgulho da liberdade de expressão e dos direitos humanos, matam-se moralmente os profissionais da imprensa com as pressões políticas, econômicas e editoriais que eles precisam acatar… Ou buscar outro trabalho.

Para ganhar a vida, só lhes resta o caminho da obediência, uma forma às vezes muito pouco sutil de prostituição intelectual.

É lógico, então, que fazer hoje um jornalismo honesto, comprometido com a verdade e a sociedade, é uma postura que está se tornando cada vez menos comum ao redor do mundo. Meus colegas da imprensa –e falo assim porque nunca deixei de fazer jornalismo e de sentir-me jornalista– sabem que falo a verdade, e espero que, em nome da verdade, não se ofendam.

A questão é conseguirmos, se for possível, entre todos, termos o jornalismo que o mundo de hoje necessita. Mas os jornalistas não podemos sozinhos travar uma guerra em que poderes visíveis e invisíveis, mas sempre castradores, decidem a sorte daquilo que já foi visto como o quarto poder e que hoje é sobretudo um meio a mais para exercer e validar o domínio dos verdadeiramente poderosos: os políticos e os donos do dinheiro em todas as partes do mundo.

FSP: 15/08/2015.

Leonardo Padura. Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano.


Imagem: Eric Drooker (www.drooker.com)

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