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Contrariamente ao que seria natural para Wagner, é de todo impossível analisar globalmente as interpretações existentes das Óperas de Mozart. Ou melhor, se podemos afirmar que Furtwängler, ou Klemperer, ou Karajan oferecem versões com essas ou aquelas qualidades gerais no que diz respeito às Óperas de Wagner, não é possível encontrar homogeneidade comparável nas interpretações das Óperas de Mozart, qualquer que seja o regente. Talvez porque não haja nada mais parecido com uma Ópera de Wagner do que outra Ópera de Wagner, o que não implica necessariamente em monotonia ou falta de imaginação. Enquanto, por outro lado, não há nada mais diverso de uma Ópera de Mozart do que outra Ópera de Mozart. A beleza estática do Don Giovanni exigiria assim, para sua interpretação, dores bastante distintos daqueles necessários a uma boa apresentação do turbilhão de luzes que encerra As Bodas de Fígaro. Assim, somos obrigados a considerar cada ópera ou Singspiel* de Mozart individualmente.

Uma das melhores interpretações que conheço d’A Flauta Mágica é devida a Karajan, em seus tempos junto à Filarmônica de Viena. Obra-prima de humor e musicalidade. A recente versão editada pela Deutsche Grammophon é um relativo fracasso se comparada àquela anterior. Entretanto, se não pode competir com as versões antológicas do próprio Karajan, de Fritz Busch, de Tomas Beecham e de Furtwängler, podemos aceita-la como comparável às versões mais recentes de Klemperer, desnecessariamente solene e grandiloquente; de Böhm, inimaginativa e monótona; de Solti, inesperadamente desequilibrada e pesada. A essas últimas, entretanto, é preferível a versão de Fricsay pelo humor sadio e pela vitalidade.

Karajan também nos oferece uma versão notável de As Bodas de Fígaro, gravada em seu período com a Filarmônica de Viena, superior a qualquer das melhores versões recentes como as de Böhm, de Klemperer e de Colin Davis. Fricsay não captou a intrincada dinâmica dessa ópera e Giulini é excessivamente teatral. Novamente, como no caso d’A Flauta Mágica, as versões anteriores ao LP são as melhores. Fritz Busch, em sua edição do Festival de Glyndebourne de 1936, é imbatível e Furtwängler na de 1953, de Salzburg, é um fenômeno de poesia e graça.

Giulini, que fracassou tão entrosadamente nas Bodas, nos dá a melhor versão moderna de Don Giovanni. Krips é, entretanto, um competidor à altura. O lirismo estático de Giulini é aqui convertido em serena introspecção. Visão fantasticamente sombria. Novamente não podemos deixar de mencionar Fritz Busch e Furtwängler em suas versões antológicas para os Festivais de Glyndebourne e de Salzburg, respectivamente. Fricsay é aceitável, como também Colin Davis. Maazel tem uma versão pouco convincente como também Klemperer. Verdadeiro desastre é a interpretação da Baremboim, ainda pior que a de Bonynge. Mas é preciso não esquecer Böhm, cuja sobriedade natural serve de maneira excelente a essa ópera complexa. E, além do mais, Schwarzkopf está inigualável.

Para O Rapto do Serralho a melhor versão moderna continua a ser aquela de Jochum editada em 1966. Krips também nos dá uma versão bastante atraente. Böhm também é satisfatório. Entretanto, a versão histórica de Beecham, permanece como a mais bem-sucedida realização, mas infelizmente não é encontrável atualmente.

Com Così Fan Tutte voltamos ao Karajan de trinta anos atrás. É uma gravação com a Filarmônica dominada pela excelsa Schwarzkopf, que foi reeditada há poucos anos pela EMI. Böhm, insistente mozartiano, não está de todo mal, mas seu espírito compenetrado não se adapta à frivolidade inerente à obra.

Hager e a Orquestra do Mozarteum nos dão versões bastante atraentes de Mithridate e d’O Rei Pastor e Colin Davis oferece interpretações satisfatórias do Idomeneo e de La Clemenza di Tito. Entretanto, a versão de Pritchard do Idomeneo é mais vigorosa. A versão de Kertézs de La Clemenza di Tito adota o estereótipo da grande ópera italiana e falha lamentavelmente. Böhm apresenta uma visão dramalhesca e monótona. A elegante versão de Schmidt-Isserstedt ainda é possível ser encontrada.

Colin Davis também nos dá as melhores versões de Lo Sposo Deluso e d’O Empresário, enquanto Klee me parece um intérprete satisfatório de Zaide. La Finta Giardiniera, essa ópera inexplicavelmente negligenciada, tem um intérprete apenas razoável em Schmidt-Isserstedt. São encontradas versões apenas sofríveis, inteiramente dispensáveis das óperas Tamos, Rei do Egito e de La Finta Giardiniera, o mesmo acontecendo com Bastião e Bastiana, obra que Mozart compôs aos doze anos de idade.

*N.E.: Singspiel – correspondente alemão para o que em francês é chamado de opéra-comique, ou em inglês ballad-opera.

Nota – Do livro do autor Um Roteiro para Música Clássica. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1992. 705p. Publicado originalmente no jornal FSP: 26/02/1984.

Wolfgang Amadeus Mozart
The Magic Flute
Vienna Philharmonic Orchestra
Herbert Von Karajan

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