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Muitos são os indícios de que sem o suporte de seus discípulos Alban Berg e Anton Webern não teria Schoenberg autoconfiança suficiente para persistir na rota do atonalismo e finalmente desembocar no Serialismo. Também é verdade que Berg nunca se entregou totalmente a essa última técnica mantendo sempre um pé no sistema tonal. O próprio Schoenberg teve sucessivas recaídas tonais ou livre atonais após a própria descoberta do Serialismo. Apenas Webern foi um resoluto entusiasta levando o conceito serial às últimas consequências. Também a proposta de Debussy de progressiva decomposição dos elementos básicos da música, melodia, harmonia, timbre e ritmo é levado ao extremo. A progressão de Webern se assemelha àquela de Beckett no teatro onde a crescente redução de recursos literários e cênicos leva a um impasse intolerável. A mais longa obra de Webern é uma Passacaglia que dura aproximadamente dez minutos e que ainda adere, como as primeiras obras de seu mestre, a uma textura brahmsiana e a um cromatismo wagneriano. Entretanto, já a partir de 1909, com as Cinco Canções sobre poemas de Stefan George, Webern caminha para soluções cada vez mais sintéticas, pontualísticas quase. Algumas de suas peças duram menos que um minuto. Suas surpreendentes melodias são quase vestigiais e seu estilo contrapontístico, translúcido, embora é de uma economia aterradora. Há momentos em que a própria música deixa de existir restando apenas uma declamação de sons. Entretanto, apesar desse absurdo reducionismo, a música de Webern não é jamais exasperante como aquela de Berg, e quase sempre encantadora.

Mais uma vez a música da Segunda Escola de Viena encontra em Boulez seu intérprete ideal. Esse compositor francês de imensos recursos intelectuais nos oferece a obra completa, ou pelo menos aquela editada pelo autor. O meu Grove’s indica uma única peça sem número de opus que não é incluída nessa coletânea. Sabemos, entretanto, que há uma sequência de peças não acabadas que devem ser incluídas em um segundo volume. Toda a obra publicada de Webern cabe em apenas quatro discos incluídas umas poucas transcrições que o compositor fez de obras de Bach, Schubert e dele próprio. E, segundo tudo indica, o remanescente de sua obra não preencheria um único disco. Não creio que tenha existido outro artista tão lacônico e tão puro em toda a História da Música. Colaboram com Boulez, nessa esplêndida coletânea, Rosen, Stern, o Juilliard, a Sinfônica de Londres e outros. Karajan é também um competente intérprete da música orquestral de Webern e o Alban Berg, o LaSalle e o Italiano são os conjuntos que melhor se dedicaram à sucinta música de Câmera de Webern. Mas há poucas gravações das já raras composições de Webern.

Paul Hindemith contemporâneo de Webern e, como esse, intelectualmente bem equipado como poucos, é justamente seu antípoda. Prolixo, generoso no uso de todos os recursos à mão, somente em curto período, ao meio de sua vida produtiva experimentou, timidamente, as possibilidades do atonalismo. Eu diria mesmo que nunca lá chegou, apenas valeu-se de um tonalismo oculto. Mas logo voltou para a mais explícita prática tonal. Não obstante, ninguém pode acusa-lo de retrógrado. Afinal, não foi para isso que o termo Neoclássico foi inventado? E a denominação cai como uma luva em Hindemith. Rejeitando o atonalismo e reconhecendo o esgotamento da escala diatônica, Hindemith inventou seu próprio método baseado em um sistema de acordes construídos com base em intervalos que subsistem pelos seus próprios méritos e que não resultam de um esquema arbitrário. Ora, como evitar recair no abismo do sistema tonal se essa é a filosofia? Não obstante ele consegue sempre relativo nível de originalidade pela cuidadosa construção rítmica, por um eficaz contraponto e antes de tudo por uma intuição harmônica incomensurável.

De sua obra-prima operística, Mathis, o pintor, existe uma gravação excelente com Kubelík e o Coro e a Orquestra da Rádio da Bavária. Pouco de sua extensa música de câmera foi gravada e o Concerto Amsterdam é o intérprete clássico. Sua música mais conhecida é possivelmente o Concerto para violino, que tem em Oistrakh e Fuchs intérpretes seguros. Também Gettler e Gitlis o apresentam adequadamente.

O Ludus Tonalis para piano, de tanto sucesso no passado, que foi comparado à Arte da Fuga de Bach, não é encontrável senão na pobre versão de Rogenkamp, e suas Sonatas para órgão foram gravadas por Rogg e Preston completamente. As populares Metamorfoses Sinfônicas foram gravadas por Szell e Abbado com muita sensibilidade, mas a interpretação padrão continua sendo aquela de Furtwängler. No Brasil dois discos foram lançados. O Conjunto Philip Jones sob a liderança de Howarth está excelente na série Música de Concerto com Crossley ao piano. O Requiem para aqueles que amamos é mediocremente interpretado pelo autor e a Sinfônica de Viena.

Nota – Do livro do autor Um Roteiro para Música Clássica. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1992. 705p. Publicado originalmente no jornal FSP: 25/05/1986.

 

Paul Hindemith

Mathias, The Painter

Orchestra: London Symphony Orchestra

Conductor: Jascha Horenstein

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