Em Destaques, Música

Que o leitor me perdoe. Esse deve ser o quarto artigo que escrevo sobre a Missa em Si Menor. Talvez seja uma obsessão. Mas preciso resolver essa disputa que travo comigo mesmo.

Há duas semanas atrás1 quase recomendei a recente versão de Parrott e seu Coro e Conjunto Instrumental Taverner. Na semana seguinte2, um pouco mais decisivamente, optei pela versão de Leonhardt com a Petite Bande e o Collegium Musicum da Sociedade Bach da Holanda, que acaba de ser editado na Europa.

Não que eu tenha me arrependido. Mas chegou às minhas mãos uma crítica tão categoricamente favorável à versão de Eliot Gardiner que fiquei com minha autoconfiança abalada. Quanto mais subjetiva a matéria, mais positivos são os críticos. Talvez seja uma maneira de compensar a insegurança. Aliás, o crítico de arte de prestígio é aquele que enuncia suas asnices com sólida convicção. Pois hoje resolvi expor minha hesitação, e olhe lá que são quarenta anos de absoluto fanatismo que coloco à mesa.

Como nas horas vagas também sou um cientista, procurei fazer minha escolha com método. Com o que espero ganhar em credibilidade junto ao leitor. Passei então a ouvir, movimento por movimento, as versões que disputariam a primazia. Em quatro leituras, duas de discos compactos e duas de discos convencionais, coloquei as interpretações de Parrott, Eliot Gardiner, Leonhardt e Münchinger. Vez por outra recorri também à versão de Jochum. Confesso assim minha parcialidade em desfavor da Orquestra e Coro Bach de Munique, representada por Richter.

A primeira conclusão é de que se a inclinação do leitor é por uma solução ascética, então Parrott é satisfatório, e certamente muito mais atraente do que Rifkin, talvez pelo resíduo de sensualidade sonora de que Rifkin intencionalmente se destitui. Talvez pelos vestígios de intimidade de que também se despoja Rifkin em sua cruzada puritana. A versão de Parrott é consequência direta da influência de Rifkin, não duvido, mas o acontecimento artístico não é meramente estético e a Missa em Si Menor de Bach, contrariamente às suas missas breves, deriva de um estado emocional difuso e seguramente de uma reflexão mística do autor em momentos críticos de sua vida.

Não é, pois, por acaso que alguns dos críticos mais perceptivos reconhecem que o fulcro dessa obra maior é o Credo e não o Gloria, como supõem tantas análises superficiais.

Muito bem, se pudéssemos dilacerar a missa talvez pudéssemos optar por um Gloria com Richter ou talvez até com Karajan. E um Kyrie com Jochum ou Klemperer e assim por diante. Mas a importância do trabalho de Rifkin e do de Parrott deriva justamente da demonstração da integridade da Missa como obra única, não desmembrável. Não é, pois, por acaso que me senti frustrado com meu esforço para ouvir com cada intérprete, separadamente, cada coro, cada ária da Missa. Apenas detalhes irrelevantes foram esclarecidos. O método científico pouco ou nada ajuda na audição da obra de arte. O juiz final será sempre esse ente um pouco indefinido, misto de intuição e de vivência, de sensibilidade emocional e de indefinível racionalidade subconsciente, de talento e de espiritualidade. Por mais imprecisos que sejam todos esses termos, ainda são os que melhor elucidam o fato artístico e o seu julgamento.

É sobre essas bases limitadas que confirmo minha convicção de que a melhor interpretação, editada até hoje, da Missa em Si Menor de Bach é essa recente de Leonhardt. Se há alguma graça e sensualidade na academicamente correta versão de Eliot Gardiner, falta-lhe, não obstante, o fervor místico que é parte integrante da Missa. À versão de Eliot Gardiner ainda prefiro as visões formais obsoletas de Klemperer e Jochum e talvez mesmo o dramatismo postiço de Karajan, que deriva diretamente de Richter. Para aqueles que têm medo de suas próprias emoções, mas que não as negam, talvez a melhor opção seja uma das duas versões de Harnoncourt, ou ainda aquela do saudoso Scherchen.

Para dar um sentido prático a esses comentários procurei localizar nas lojas de São Paulo qualquer gravação da Grande Missa de Bach e nada encontrei. Não é inacreditável?

1Ver artigo: “Bach e a posteridade” – 31/08/1986 [http://bit.ly/2dJUoZG]

2Ver artigo: “Bach sob um novo olhar” – 07/09/1986 [http://bit.ly/2dSB62h]

Nota – Do livro do autor Um Roteiro para Música Clássica. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1992. 705p. Publicado originalmente no jornal FSP: 14/09/1986.

Johann Sebastian Bach

Mass in B minor

Monteverdi Choir, English Baroque Soloists

John Eliot Gardiner

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