Em Destaques, Vida Nacional

“[…] a noite esfriou, / o dia não veio, / o bonde não veio, / o riso não veio, / não veio a utopia / e tudo acabou / e tudo fugiu / e tudo mofou, […]”.

(‘José’ \ Carlos Drummond de Andrade) 

Geografia é destino. Esta pensata da Geopolítica parecia valer para a Copa do Mundo de Futebol. O certame global – iniciado no ano de 1930 – aconteceu pela vigésima vez e era marcado por uma regularidade estatística: países sul-americanos sempre venceram o torneio, quando sediado nas Américas; e países europeus conquistaram a Taça, quando a sede foi na Europa (até aqui, a única exceção acontecera em 1958, na Suécia…). Apenas uma vez a Copa do Mundo foi organizada na Ásia (em 2002, com campeão americano) e na África (em 2010, com vitória europeia).

Havia um certo equilíbrio na distribuição continental de títulos mundiais de campeão : dos 19  torneios realizados até 2010, os europeus haviam vencido em 10 ocasiões [Itália (4); Alemanha (3); e Inglaterra, França e Espanha — uma vez cada um). E as vitórias americanas eram 9 [Brasil (5); e Argentina e Uruguai — duas vezes cada].

Mas a seleção da Alemanha veio ao Brasil e conquistou a Taça do Mundo de 2014, quebrando um tabu futebolístico e confirmando a hegemonia europeia neste século 21 — de quatro Copas realizadas (2002, 2006, 2010 e 2014), países da Europa venceram em três ocasiões: em 2006 (Itália), em 2010 (Espanha) e agora.

A disputa mundial encerrou-se no domingo, 13/7, mas o destaque na mídia foi o ‘chocolate’ que os germânicos aplicaram na seleção brazuca, na terça-feira, 8/7. Depois deste jogo fatídico, cada qual buscou explicações para a goleada.  A busca mais esotérica foi a do goleiro brasileiro : entrevistado depois da derrota por 7 a 1 para a Alemanha, Julio César declarou que  — durante a partida — “chegou a falar ‘com Deus’: — ‘Senhor do Céu, o que está acontecendo?’ […]”. (SportTV—G1, 9/7/2014).

Se Julio Cesar recorreu ao Divino, os três principais presidenciáveis deram preferência  pela comunicação com o eleitorado.  Foram às redes sociais, logo após a partida Brasil 1 X Alemanha 7 e pareciam falar de eventuais derrotas eleitorais — “a presidente Dilma assistiu ao jogo no Palácio da Alvorada” e ao final tuitou um lamento: “estou muito, muito triste com a derrota”; Eduardo Campos, que ficou em casa, foi de Facebook: “tenho certeza de que voltaremos mais fortes em 2018”; e Aécio Neves, que estava presente no estádio do ‘Mineirão’ (juntamente com Mick Jagger…), postou: “uma derrota sofrida, difícil de entender” (O Globo, 9/7/2014).

Pessimistas, integrantes do governo “reconheciam que o resultado do campo deverá ser usado para atacar a presidente Dilma durante a campanha eleitoral. Um ministro afirmou que o governo e a campanha petista devem se preparar para a enxurrada de críticas e cobranças” [1].

A lua-de-mel entre as ruas e os poderes da República pode ter chegado ao fim. Durante a Copa do Mundo houve um arrefecimento da escalada do conflito social aberto, no País e as estatísticas recentes sugerem isto. Os números do protesto vinham num crescente, mês-a-mês, e somente desaceleraram em junho, com o início dos jogos. Mesmo assim, os dados deste ano impressionam: de Janeiro a Junho de 2014, aconteceram 435 manifestações de protesto na cidade de São Paulo, superando as 380 registradas no agitado primeiro semestre de 2013 (G1, 10/7/2014).

Com o desempenho desastroso da Seleção Brasileira — de imediato — a ira da população voltou a manifestar-se nos estádios, nas ruas e na internet. Vaias, xingamentos, conflitos, quebra—quebras. Assistimos à “explosão de paixões tristes […] com muitas brigas, bandeiras queimadas, deboche generalizado” (Bruno Cava Rodrigues, 9/7/2014). Em Belo Horizonte, Curitiba, São Paulo, Rio, Salvador, João Pessoa, Guarulhos/SP, Osaco/SP e também em cidades menores.

O encanto dominante durante os jogos mundiais foi substituído pelo chororô da derrota e pela caça aos responsáveis pelo vexame. É sob o signo do descontentamento que será impresso um novo ritmo à campanha eleitoral, oficialmente nas ruas e redes sociais desde o início de julho [2].

A campanha pela reeleição de Dilma Rousseff precisará enfrentar o pessimismo com a economia — o nível dos preços e da produção, a taxa de inadimplência, a desaceleração de emprego, renda, crédito, consumo. E também problemas de outra ordem, como o caso do Deputado estadual Luiz Moura, que foi eleito com mais de 100 mil votos em 2010, e que é acusado pela Polícia de ter ligações com o crime organizado (conseguido no Judiciário, nesta semana, o direito à legenda para disputar a reeleição).

O governo não mais poderá organizar as festivas inaugurações de obras públicas e também está impedido de propagandear suas realizações administrativas através da mídia. Sob o império da legislação eleitoral, as oposições ganham espaços, na arena pública, para suas críticas ao governo, mesmo tendo muita dificuldade para pautar a agenda política nacional [3].

A bolsa de valores de São Paulo já na sexta (11/7) subiu e, segundo analistas do mercado, em função de possíveis perdas de preferência eleitoral da candidata Dilma Rousseff, a partir dos resultados da Seleção Brasileira.  Essa situação poderá ser aferida com a divulgação de pesquisa Datafolha prevista para a semana em curso.

O clima é de tensão e seguirá assim até o início do horário da propaganda politica em radio e TV, previsto para 19 de agosto. Aí, então, teremos uma curta e intensa batalha final pela Presidência da República.

NOTAS :

[1] Entrevista de Antonio Lavareda • ‘É cedo para saber se vexame da seleção afetará a eleição’ – Folha de S.Paulo, 13/07/2014 • link : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/175764-e-cedo-para-saber-se-vexame-da-selecao-afetara-a-eleicao.shtml

[2] Entrevista de Flavio de Campos • ‘Nunca uma Copa do Mundo foi tão politizada, afirma historiador’ – Estadão, 13/7/2014 • link : http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nunca-uma-copa-do-mundo-foi-tao-politizada-afirma-historiador-imp-,1527961

[3] ‘O pós-Copa’ • Eliane Cantanhêde / Folha de S.Paulo, 13/07/2014 • link : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/175743-o-pos-copa.shtml

Créditos de imagem: g1.globo.com

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