Em Conjuntura Internacional, Destaques

 

Em entrevista à televisão americana (11/12/16), Donald Trump sacudiu os chineses, ao sugerir o reconhecimento por seu governo do princípio de uma só China, em troca de concessões de Pequim numa série de políticas que prejudicariam interesses americanos. Como exemplos, Trump citou as práticas chinesas em matéria de câmbio; tarifas; ações militares no Mar do Sul da China; e o programa nuclear da Coréia do Norte. ”Por quê estarei preso à política de uma só China, sem nada receber na proteção dos interesses americanos?” A política de uma só China foi adotada em 1979, para permitir que Washington reconhecesse a RPC, retirando ao mesmo tempo o reconhecimento de Taiwan como Estado independente. “A China é uma só” – proclamou-se, e cada um que interpretasse isso como melhor lhe parecesse. Em Taipei, a China única continua sendo a República da China, dos nacionalistas de Sun Yat-sen. Aos olhos dos chineses Trump já havia infringido esse princípio, quando aceitou um telefonema oficial de congratulações da atual Presidente de Taiwan. Em meio a artigos furiosos da imprensa oficial, o governo de Pequim tomou várias medidas de endurecimento das relações sino-americanas, culminando na captura, num ponto a 90 quilômetros da antiga base naval dos EUA nas Filipinas e às vistas de nave de guerra americana, de um clone submarino. O clone foi restituído poucos dias depois, e correu a notícia de que Yeng Jiechi, Conselheiro de Segurança de Xi Jinping, havia encontrado discretamente o Tenente-General da reserva Michael Flyinn, da segurança americana, para conversas conciliadoras

Não é realmente de contar com que a China e os EUA se deixem levar, nas atuais circunstâncias, a conflito armado. É no plano econômico que a China deve estar pronta para esperar Trump. Ele acaba de nomear como seu Representante Comercial um advogado conhecido pela defesa de políticas protecionistas. E Trump tem levado adiante suas promessas de ativar a produção de manufaturas no território americano. Convenceu a Ford a transferir para os EUA produção que estava no exterior, e vem tentando o mesmo com a General Motors e a Toyota. Robert Lighthizer, o novo Representante Comercial do Presidente, atuou como Representante adjunto no governo Reagan, notabilizando-se por pressionar o Japão a reduzir restrições sobre importações dos EUA. Trump acusa a China de práticas semelhantes e parece preparar-se para uma rodada de confrontação como a anterior. Yasheng Huang, professor no MIT americano, criticou seriamente as intenções de Trump (Valor, 05.01.17), que estaria acusando a China de pecados não provados. “Pior ainda, ao anunciar que os EUA vão se retirar da Parceria TransPacífica (PTP), concebida por Obama em parte para moldar o comércio e os fluxos de investimentos mundiais de acordo com as regras ocidentais e como forma de coação contra a China, Trump também está abandonando uma política americana que poderia conter a crescente influência da China na Ásia. Desde o anúncio de Trump sobre a PTP, muitos países asiáticos se comprometeram a participar de um bloco comercial regional inaugurado pela China.”

Durante muitos anos, a China foi o chão de fábrica do mundo, produzindo manufaturas de todo tipo, graças às matérias primas e componentes importados de todo o planeta. Agora a China conseguiu controlar uma ampla faixa da cadeia mundial de suprimentos, diminuindo substancialmente suas importações. Isto dá azo a políticos como Trump para acusar a China de tomar empregos por toda parte, e Trump quer ser conhecido como o estadista que devolverá aos EUA os empregos roubados. Do lado chinês, enquanto não chega Trump, o enfraquecimento relativo da economia dos EUA permitiu um surto de aquisições de companhias americanas. Em 2016, as compras chinesas triplicaram para US$45,6 bilhões, em relação a 2015. O governo Obama tem tentado resguardar o segmento dos semicondutores, retardando as autorizações para as compras por empresas chinesas. Segundo dados difundidos pelo Rhodium Group, agora em janeiro de 2017 há US$ 21 bilhões em acordos de aquisição esperando luz verde, e projetos no terreno dos semicondutores já anunciados, num montante de US$ 7 bilhões.

No plano doméstico, a China busca retardar a fuga, para países mais competitivos, de sua produção de baixo custo. O governo criou um sistema de incentivos para levar esses produtores a mudarem-se para regiões chinesas mais atrasadas. Segundo o Wall Street Journal, a participação da China na produção manufatureira mundial foi de 25% em 2015, comparado com 7% no ano 2000. Para conseguir isso, não apenas vai o governo melhorando a infraestrutura de estradas e portos por todo o país (o relançamento da Rota da Seda tem papel fundamental a esse respeito), como também pressiona as empresas de um modo geral para que se automatizem; elevem seus orçamentos de pesquisa; e procurem elevar o valor agregado dos seus produtos.

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Amaury Porto de Oliveira. Embaixador.

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