Em O Caminho de Ida (Companhia das Letras, 2014), Ricardo Piglia, assume, mais uma vez seu alter ego Emilio Renzi, para tratar da questão da violência num ambiente improvável: uma prestigiada universidade na Costa Leste norte-americana.
Renzi fora convidado a ministrar um seminário sobre William Henry Huston (1841-1922) – naturalista e respeitado escritor em língua inglesa, nascido na Argentina, filho de pais norte-americanos –, interessado que estava nos escritores “ligados a um duplo pertencimento, vinculado a duas línguas e duas tradições”.
O convite partiu de Ida Brown, diretora do departamento, com quem Renzi acaba por ter um caso amoroso clandestino antes de ela morrer num acidente. A polícia suspeita que sua morte tenha conexão com uma série de atentados a luminares do mundo acadêmico norte-americano, perpetrados por Thomas Munk, um brilhante matemático, ganhador da medalha Fields, em luta contra “o capitalismo tecnológico”. O perfil de Munk é inspirado no de Theodore Kaczynski, o Unabomber: denunciado pelo próprio irmão, Munk foi condenado à prisão perpétua por matar três pessoas e ferir outras 23 em atentados terroristas.
Renzi compartilha a angústia da perda com Nina, uma vizinha russa, autora de uma tese sobre Tolstói, cujo pai morrera na Sibéria e que, durante a II Guerra, sobreviveu na França como babá antes de migrar para os Estados Unidos.
Estimulado por Nina, Renzi busca reconstruir o passado de Ida e sua eventual relação com Munk. Consegue autorização do FBI para entrevistá-lo numa prisão na Califórnia, onde o terrorista era tratado com respeito, admirado e chamado de “Professor”. No encontro dos dois – ponto alto do livro – Piglia incomoda o leitor. Munk equipara sua luta à dos “revolucionários argentinos”, apontando uma diferença: “Neste país, a clandestinidade é impossível”. E continua, num solilóquio inquietante: “Estamos na época dos homens sozinhos, das conspirações pessoais, da ação solitária.” E, sim, ele conhecia Ida.
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