Em Destaques, Vida Nacional

Por Carlos Eduardo Valim e Rosenildo Gomes Ferreira

Na quinta-feira 13, Brenton Saunders, CEO global da Allergan, gigante farmacêutica americana, com receita anual de US$ 23 bilhões, reuniu um seleto grupo de executivos na sede da subsidiária brasileira, em São Paulo. O encontro estava cercado de expectativas, pois a primeira visita do chefão ao País acontece justamente num período em que o cenário econômico se mostra turvo. “O Brasil é um País estratégico para a empresa”, afirmou Saunders à Dinheiro, minutos depois do encontro. “Reconhecemos o potencial do mercado a médio e longo prazo.” A sentença poderia ser colocada no rol das frases de efeito, destinadas a fazer uma média com os interlocutores. Mas ficou claro que não era o caso. “Estamos investindo US$ 250 milhões no período 2015-2016, no aumento de capacidade produtiva e na área de pesquisas.” O CEO da décima maior farmacêutica do mundo, conhecida como a criadora do Botox, não está sozinho nessa empreitada.

É que em meio às dificuldades, tanto no front econômico quanto no político, os negócios continuam a ser feitos. Isso vale para setores básicos, como o de alimentos, para o de produtos manufaturados e o de serviços. “De modo geral, o que as empresas enxergam é o tamanho do mercado”, diz o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo e sócio-diretor da ACLacerda – Consultores. “E o Brasil, com seus 200 milhões de habitantes, continua sendo atrativo.” Para ele, um dos elementos que mostra isso de forma clara é a manutenção do volume de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) no setor produtivo, na casa dos US$ 60 bilhões, como vem ocorrendo nos últimos anos.

Contudo, não são apenas os forasteiros que enxergam esse outro Brasil que se esconde em meio às estatísticas macroeconômicas. A mais recente safra de balanços de grandes empresas brasileiras com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) deixa isso evidente. Muitas delas atingiram desempenho recorde, surpreendendo até mesmo o mais otimista dos analistas. Isso vale para a gigante Ambev e também para a SulAmérica, uma das maiores seguradoras do País. Enquanto a primeira obteve lucro líquido de R$ 2,83 bilhões no período, avanço de 27,3% sobre o acumulado abril-junho de 2014, a segunda bateu seu recorde em matéria de lucratividade num único trimestre, com R$ 123,5 milhões (veja quadro ao lado). Esses desempenhos robustos, em todos os sentidos, são reflexos de inúmeras iniciativas. No caso da SulAmérica, pesou a rigorosa disciplina de gestão do negócio, além da política de diversificação da carteira de produtos. Para isso, houve uma grande aposta no treinamento dos corretores. Nada menos que 31 mil profissionais passaram pelos cursos realizados nas 90 filiais da empresa pelo País, no ano passado. Em 2013, foram capacitados 26 mil profissionais. Com isso, eles ficaram aptos a oferecer mais produtos aos potenciais clientes como coberturas para automóveis e planos de saúde. “Não estamos em berço esplêndido”, afirma Gabriel Portella, presidente-executivo da seguradora. “Nosso bom desempenho é fruto de muito trabalho.”

Postura semelhante tem sido adotada pela Raia Drogasil, uma das principais redes varejistas de medicamentos do Brasil, com 1,2 mil pontos de venda. Para este ano, a meta é manter o ritmo de abertura de lojas, adicionando 130 unidades. “O número é satisfatório e nos permite crescer sem comprometer o caixa”, diz Eugênio De Zagottis, vice-presidente de planejamento e relações com investidores da rede. Não que faltem recursos para alçar voos mais altos. Afinal, a empresa possui uma elevada liquidez, não tem dívidas e suas vendas no período abril-junho avançaram 22,9% para R$ 2,3 bilhões. Além do crescimento orgânico, a rede tratou de ampliar sua musculatura em um segmento estratégico. Para entrar no mercado de medicamentos de especialidades, usados no tratamento de reprodução assistida, oncologia e imunobiológicos, a Raia Drogasil assumiu o controle da distribuidora paulistana 4-Bio Medicamentos. Esse portfólio garante margem de ganho mais elevada por se tratar de drogas de uso contínuo e indicadas para tratamentos de alta complexidade. No ano passado, a 4Bio obteve faturamento de R$ 126 milhões. “Temos uma visão realista do mercado e sabemos que é preciso cuidado para operar em um momento de inflação elevada”, afirma De Zagottis. “Estamos com os pés no chão.”

Pragmática também parece ser a abordagem da Alpargatas, a maior fabricante de calçados do País. A dona das sandálias Havaianas e de marcas badaladas como a Topper, de artigos esportivos, Mizuno, de tênis, e a varejista Osklen, foi uma das primeiras a se beneficiar da desvalorização cambial, que surpreendeu pela intensidade. Desde janeiro, a moeda americana subiu 24%. “Estávamos em estado de prontidão”, diz o CEO Márcio Utsch. Foi graças ao crescimento de 22,4% nas vendas externas que suas receitas totais avançaram para R$ 997 milhões, no segundo trimestre, em relação a abril-junho de 2014, mesmo com as vendas tendo permanecido estáveis no mercado interno. Para tirar ainda mais vantagem da questão cambial, Utsch decidiu ampliar a fatia da produção local da linha Mizuno, na fábrica de Santa Rita, na Paraíba. Uma nova coleção chega ao mercado neste trimestre. “Ficou competitivo produzir no Brasil.” A Alpargatas integra o rol de empresas que ajudaram a melhorar a performance da balança comercial brasileira que, no acumulado do ano até o domingo 9, apresentou superávit de US$ 5,3 bilhões.

Da mesma forma que o câmbio vem beneficiando os exportadores, também é correto dizer que as políticas públicas estruturais vêm cumprindo um papel importante. Especialmente no segmento da construção civil destinado à baixa renda. “Ficou evidente que a habitação popular deixou de ser uma política de governo para se tornar uma questão de Estado”, afirma Rodrigo Osmo, CEO da Tenda, o braço da construtora Gafisa no segmento de baixa renda. A Tenda pretende lançar imóveis com Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 1 bilhão, neste ano. É mais que o triplo em relação aos R$ 339 milhões de 2013, e quase o dobro dos R$ 613 milhões do ano passado. Todas as unidades são destinadas à faixa 2 do Minha Casa, Minha Vida, na qual os recursos de financiamento são oriundos do FGTS. Segundo Osmo, a velocidade de crescimento da empresa está alicerçada em bases sólidas, graças ao processo de reestruturação adotado no período 2011-2013, em meio a um gigantesco impasse. “Tínhamos 100 obras em andamento e era preciso resolver a situação antes de pensar em voltar a crescer”, diz ele. Hoje, enquanto os concorrentes que atuam nas demais faixas da pirâmide de renda vivem dias difíceis, a Tenda não tem do que se queixar. Todos os anos surgem 1,3 milhão de famílias no País. Destas, 400 mil têm renda de R$ 1,6 mil, a faixa que interessa à incorporadora.

As oportunidades não se limitam à terra firme. No segmento de navegação também estão se dando bem aquelas que apostam no médio e longo prazos. É o caso do Tecon Salvador, operador da centenária Wilson Sons, que controla o terminal de contêineres do porto de Salvador. É na capital baiana que a empresa faz uma de suas maiores apostas com um investimento de R$ 537 milhões na ampliação da área de atracação. O objetivo é aproveitar o aumento da demanda pelo transporte de mercadorias por via marítima. No primeiro semestre, a chamada navegação de cabotagem cresceu 12% em relação a 2014. Hoje, o terminal é capaz de operar simultaneamente com dois navios porta contêineres e a meta é passar para três. A operadora vem conquistando clientes importantes, como as fábricas da Samsung e da Honda, baseadas na Zona Franca de Manaus. “É mais seguro transportar cargas de alto valor agregado por via marítima”, afirma Demir Lourenço Júnior, diretor-executivo do Tecon Salvador. O setor agrícola também tem sido cortejado pela empresa. Segundo ele, 90% do arroz consumido pelos baianos é transportado de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul de navio. Antes, o meio utilizado era o caminhão.

O que nas empresas pode ser classificado como economia de escala, nas famílias isso aparece como estratégia de preservação do poder de compra. Muitos brasileiros vêm resgatando hábitos antigos, como a compra mensal, para minimizar o impacto de uma inflação que chega perto de 10% ao ano. Quem espera se beneficiar deste fenômeno é a rede paulistana Roldão Atacadista. Com receita de R$ 1,8 bilhão em 2014 e 20 lojas no Estado de São Paulo, a empresa fez uma completa reformulação de seu marketing, com a adoção do mote Faça Suas Compras do Mês e se Surpreenda. “A tendência nos próximos 30 meses é que haja uma troca de canal de compras”, diz Ricardo Roldão, sócio e CEO da empresa. Ou seja, quem está comprando em supermercados ou em comércio de vizinhança deverá migrar para o atacarejo, um misto entre varejo e atacado, que pratica preços mais agressivos. Por conta disso, o empresário vai investir R$ 40 milhões, neste ano, na abertura de cinco novas unidades num raio de até 150 quilômetros de São Paulo. A expectativa de crescimento da receita continua na casa dos dois dígitos. Não deixa de ser uma meta ousada, considerando-se que o varejo, em geral, caiu 2,2% no primeiro semestre, e o alimentício, em especial, cresceu apenas 1,8%, de acordo com o IBGE. 

O mercado não sumiu, ele continua do mesmo tamanho e só vai crescer quem estiver mais bem preparado que seus concorrentes”, afirma o economista e consultor Corrêa de Lacerda. É baseado nessa premissa que alguns negócios têm sido feitos, até mesmo em setores que enfrentam baixas históricas, como o de veículos, com vendas no pior nível em oito anos. No início do mês, a Anfavea anunciou que quatro montadoras vão investir mais R$ 7,8 bilhões neste ano. Nesse caso, uma das empresas que tem mais motivos para comemorar é a subsidiária da japonesa Toyota, que manteve o ciclo de investimentos de R$ 4 bilhões para o período 2007-2016. A última etapa de desembolsos vai para a fábrica de motores situada em Porto Feliz (SP). “As pessoas me perguntam se vamos rever os investimentos por conta da crise, mas nossos planos são de longo prazo”, diz Luiz Carlos Andrade Jr., vice-presidente da montadora.

Além de manter os investimentos, a Toyota também segue na contramão do mercado, com o anúncio da contratação de 500 trabalhadores, em julho. Motivos não faltam. As vendas do ícone de seu portfólio, o sedan Corolla, subiram 22% para 38 mil unidades, no acumulado até julho. Sem contar o compacto Etios, que terá a capacidade instalada de sua linha de produção ampliada das atuais 74 mil para 108 mil unidades. “Parece loucura falar em expansão nesses tempos, mas estamos trabalhando dia a dia para isso”, diz Andrade Jr.

A exemplo do que ocorre com a Alpargatas, Allergan e Toyota, para algumas empresas é exatamente durante as crises que são feitos os melhores investimentos. Na terça-feira 11, a paulistana Wickbold, fabricante de pães especiais, fez um movimento que a aproximou do topo do mercado nacional de panificação, liderado pela mexicana Bimbo, dona da marca Pullman e de 26% de participação. A Wickbold anunciou, na data, a compra da Seven Boys, conhecida por suas bisnaguinhas, e ampliou sua presença de mercado para 21%. Com isso, a Wickbold, que faturava estimados R$ 650 milhões, terá agora uma receita anual de R$ 850 milhões e fábricas espalhadas pelo Brasil. “A aquisição foi motivada pela complementaridade dos negócios”, diz Fabio Medeiros, presidente da Wickbold. “A Seven Boys era muito forte no Sul, em Minas Gerais e no Centro-Oeste, enquanto a nossa maior força está no Sudeste.”

A transação foi bancada inteiramente com caixa próprio e se valeu do momento financeiramente mais frágil da concorrente. “Não queríamos deixar passar a oportunidade. Nos preparamos, ao longo dos anos, para um momento de crise, e agora estamos investindo para quando a economia se reaquecer”, diz Medeiros. “Historicamente, as crises no Brasil nunca duram mais do que dois anos.” É com essa mesma visão que a Alô Bebê, maior rede de lojas de artigos infantis do Brasil, pretende atravessar o momento de instabilidade da economia. “Estamos desde 2013 nos preparando para a chegada da crise”, afirma Milton Bueno, diretor de marketing da rede. “Fizemos estocagem de produtos e negociamos com os fornecedores.”

Agora, a empresa – que é dona de todas as suas lojas e não adota o modelo de franquias – planeja abrir quatro unidades neste ano, totalizando 29 pontos. Também está revitalizando toda a sua rede, com um novo layout de lojas. “A maioria das pessoas defende não investir durante épocas como esta”, diz Bueno. “Mas, se acreditarmos muito nisso, é que acabamos mergulhando na crise.” A expectativa da empresa, ao contrário, é de crescer. A meta é atingir 7,5% de expansão em 2015.  Tanto gigantes globais como a Allergan, comandada por Brenton Saunders, quanto empresas emergentes e de médio porte, como a Alô Bebê, partilham da mesma crença em relação às oportunidades de negócios no Brasil. À sua maneira, Saunders resume o ânimo desse time que consegue driblar as adversidades temporárias do gigante Brasil: “A economia brasileira está crescendo em um ritmo mais franco, mas continua sendo muito importante para nossas ambições globais.”

IstoÉ Dinheiro: 17/08/2015.

Carlos Eduardo Valim e Rosenildo Gomes Ferreira. Jornalistas.


Imagem: Shuttertstock

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