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Por Paulo Muzell

Os magistrados brasileiros foram contaminados por um vírus daninho, que não se limita ao judiciário: tem a capacidade de provocar um surto perigoso, que se alastra contaminando os ministérios públicos (federal e estadual), tribunais de contas do país, chegando a todas as categorias funcionais do topo da pirâmide salarial do estado brasileiro. Trata-se do que poderíamos denominar de vírus da “voracidade pecuniária”.

Primeiro foi a criação – de forma ilegal –, de um “auxílio moradia”, um despropósito para quem ganha 25, 30, 35 mil ou mais por mês. O vírus se alastrou atingindo membros dos ministérios públicos e tribunais de contas. Depois, há poucos dias, atrás o TJ do Rio de Janeiro criou um auxílio-alimentação. Um desembargador detentor de cargo de direção no tribunal se posicionou contra e foi de imediato afastado do cargo. A corporação mostra que está vigilante, defendendo suas “prerrogativas”.

No final de maio a Folha de S. Paulo veiculou matéria sobre o projeto de lei do Novo Estatuto que vai substituir a Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN), que data de 1979. A necessidade de alguns ajustes e atualizações se justificaria pela defasagem da LOMAN, elaborada antes da entrada em vigor da Constituição de 1988. Em breve o projeto de lei será encaminhado pelo STF ao Congresso Nacional.

Impactado pelo grande número de inovações propostas fiz atenta leitura da minuta do projeto, que se compõe de três partes: a primeira dispõe sobre a estrutura do Judiciário, a segunda sobre direitos e deveres dos magistrados, é o Estatuto propriamente dito e a terceira trata do funcionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O novo Estatuto mantém algumas vantagens e prerrogativas existentes e traz um amplo leque de “novidades”. Na verdade, como o leitor vai facilmente concluir, não são “novidades” e sim despautérios, verdadeiros absurdos! A primeira é a criação de quinquênios: 5% de acréscimo no valor dos subsídios a cada cinco anos de tempo de serviço, até um limite de 35%. É instituído um prêmio semestral de produtividade e criado um adicional de “incentivo ao aperfeiçoamento profissional: 5% do subsídio para cursos de especialização; 10% para mestrado, 15% para doutorado e 20% para pós-doutorado. É fixado em 20% do subsídio o auxílio-moradia e instituído os auxílios creche e educação, 5% por filho. Há também o pagamento do auxílio plano de saúde, fixado em 10% para o magistrado e 10% para a esposa. Em caso de despesas com saúde que excedam o previsto pelo plano contratado é garantido o ressarcimento ao magistrado. Por ocasião da aposentadoria, compensando a exigência da quarentena de três anos, neste período o aposentado receberá uma complementação de 20%. Caso o permaneça após completar o tempo de serviço, terá um prêmio de permanência que corresponderá a 5% de acréscimo por ano até um máximo de 25%. Há, ainda, algumas pequenas vantagens “pontuais”: auxílio-mudança e auxílio-transporte.

São mantidas as férias de 60 dias, a possibilidade de conversão em dinheiro de licenças-prêmio.

Na hipótese de um magistrado cometer algum ilícito ou crime, não poderá ser punido com o flagrante e recolhido à delegacia; se for condenado por improbidade não perderá automaticamente o cargo: sua “Excelência” tem prerrogativas “especiais”. As sanções que o cidadão comum sofre caso transgrida a lei a ele não se aplicam.

Neste início de 2015 os magistrados tiveram aumentados os valores dos seus subsídios. O valor máximo, o dos ministros do Supremo foi fixado em 35.919,00 reais. Aqui no Rio Grande do Sul os desembargadores tiveram seus subsídios mensais fixados em 30.400,00 reais.

Aprovado este novo Estatuto da Magistratura, a remuneração da grande maioria dos magistrados poderá até dobrar. Teremos ministros dos Tribunais Superiores com aposentadorias ultrapassando os 80 mil reais.

O aumento da despesa de pessoal dos 17 mil magistrados brasileiros deverá custar aos cofres públicos algo próximo dos 8 bilhões de reais, valor equivalente ao que gasta uma cidade do porte de Porto Alegre para manter seus serviços por dois anos. Membros do Ministério Público Federal e procuradores dos 26 estados e do Distrito Federal serão também beneficiados, a lei lhes garante isonomia. Certamente os membros dos escalões superiores do Poder Legislativo e o do próprio Executivo vão pleitear novas vantagens, o que certamente provocará um desastroso efeito “dominó”. É impressionante a mutabilidade e a capacidade de propagação deste vírus: ele chega, contamina e não há vacina que consiga curar suas “vítimas”. O lamentável é que isso ocorre num período de dificuldades econômicas, de inflação ascendente e de cortes no orçamento das áreas sociais.

Liderados pelos ministros do Supremo, alheios a crise, os magistrados pretendem constituir uma casta de “super marajás”. É lamentável, quase inacreditável, a insensibilidade e a irresponsabilidade demonstrada pela elite deste importante poder de Estado. Servidores públicos que integram um poder cujo bom desempenho de suas funções exige bom senso, equilíbrio, equidade.

Sul21: http://bit.ly/1HJZTzH

Paulo Muzell. Economista.


Créditos de imagem: bisporodovalho.com.br

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