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Por Leonardo Avritzer

Minha impressão é que com a aprovação da admissibilidade do impeachment podemos declarar o fim da “Nova República, o nome que caracterizou o período entre 1985-2016. A nova república se consolidou com três características: a primeira delas é um certo progressivismo de um centro político muito bem representado pelo PMDB. O segundo, foi uma certa neutralidade dos setores conservadores ou da direita em relação a uma agenda progressista que permitiu que fosse cunhada em relação a direita brasileira, o termo “ashamed right” uma direita envergonhada que não se expressava na luta política. Em terceiro lugar, uma agenda progressista que foi se tornando hegemônica na última década e que produziu esse fantástico processo de inclusão social que vimos recentemente. Houve apenas um pequeno período de exceção nesta agenda durante o período 1985-2016, o governo Collor que não se firmou.

Tudo isso se desfez nos últimos três anos, de 2013 para cá. O PMDB deixou de fazer parte de uma agenda centrista que ele apoiou sim politicamente (apesar do que afirmam analistas como Marcos Nobre) e que deu estabilidade às políticas progressistas do período.  Em segundo lugar, há uma clara reorganização dos setores conservadores no Brasil hoje, com uma agenda valorativa anti-direitos, anti-mulheres e anti-minorias, rompendo com este elemento de contenção do período. Por fim, não há mais por parte das elites a contemporização com uma política expansionista do estado. Isolado no sistema político, o P.T. não conseguiu governar a partir de janeiro de 2015 e agora sofre o impeachment ou melhor o “recall congressual”.

Por que tal fato representa o fim da nova república? Para mim, porque surge uma nova coalizão que vai tentar se firmar no poder com uma agenda diferente da agenda 1985-2016. Esta coalizão repete características do governo Collor: forte conservadorismo político com apoio do mercado para a realização de reformas econômicas conservadoras. Muito pouca ou nenhuma preocupação com a questão da redução da desigualdade. Será um período de neo-oligarquização da política associado a um ajuste econômico muito conservador. Este período terá fôlego para impor um novo projeto político e econômico ao país? Acho difícil responder, mas me parece que será a luta política nos próximos meses que irá definir o sucesso ou o fracasso deste projeto.

Temer assume o poder muito fraco ainda que conte com apoio midiático e congressual. O apoio midíatico é quase uma dependência. Críticas na mídia fizeram com ele trocasse os indicados para os ministérios da Fazenda, Justiça, Saúde, Ciência e Tecnologia e Defesa. Esse é o nível de firmeza política do presidente que assume. Ele se propôs a fazer um ministério de notáveis e acabou nomeando um ministério de imperceptíveis. No caso do mercado, ele irá exigir muito de um presidente que não tem como entregar o que o mercado quer, um forte desmonte das políticas sociais. Aí irá residir o mais forte ponto de disputa nesta conjuntura, especialmente com o P.T. liberado para fazer oposição a esta política.

Abre-se no Brasil um período de forte disputa e reorganização política. No campo da esquerda vai haver reorganização. O P.T. não terá, provavelmente condições de manter a hegemonia que ele teve sobre os setores de esquerda. Podem surgir novos projetos políticos à esquerda no Brasil ou uma nova organização dos projetos políticos existentes. O PSDB sai da crise tão desestruturado quanto o P.T. e talvez com menos projeto político, dada a sua crise em São Paulo. Todas as fichas do projeto conservador estão sendo apostadas neste centro neo-oligarquizado representado pelo PMDB de onde dificilmente podem surgir novas propostas políticas. De qualquer maneira, a nova república acabou porque estes projetos já não terão como parâmetro os consensos formados durante a democratização que se dissolveram neste último período”.

Jornal Online GGN: 11/05/2016.

Leonardo Avritzer. Doutor em Sociologia Política. Professor Titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).


Imagem: alice.ces.uc.pt

 

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