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Por Saturnino Braga

Economistas divergem muito e eu aprendi a não entrar na discussão deles, desconfiando cada vez mais da propalada “ciência econômica”. Discuto política, sim, no plano da eficácia e no plano da ética, mas discuto com fundamento na sensibilidade e da experiência da observação; discuto invocando o bom senso, jamais as leis de uma pretensa “ciência política”.

Pois é no plano da política que quero discutir a escolha do economista Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, julgando-a, com a minha velha balança de aferição dos pesos e contrapesos do jogo do poder, uma decisão bastante acertada, como, aliás, já disse semanas atrás.

O Brasil decidiu democraticamente fazer uma mudança profunda na sua linha política em 2002. Decidiu claramente priorizar a ética sobre a eficácia. Em outras palavras, decidiu priorizar a justiça na distribuição de renda e não o crescimento do PÌB, tradicional medida do desenvolvimento.

Esta nova diretriz implicou num inevitável decréscimo do investimento. Com a redistribuição em favor dos grupos mais pobres, a parcela da renda destinada ao consumo tinha de crescer e a outra, do investimento, de cair. Este movimento interno ao fim de alguns anos reduziu as taxas de acumulação e de crescimento como era de se esperar, pedindo um período de reestruturação, com estímulos à poupança e ao investimento, dosados de maneira a não afetar a continuidade da redistribuição.

Paralelamente, a retração dos mercados externos em crise global e as pressões inflacionárias, vindas da alta do dólar e dos efeitos da seca sobre a produção agropecuária, contribuíram bastante para produzir um alerta nos índices da nossa economia que não se deve ignorar ou subestimar.

A este alerta econômico soma-se o clamor do alerta político: o descontentamento do capital interno, habituado aos eternos incentivos ao investimento, e o descontentamento, mais virulento ainda, do grande capital internacional, com as decisões de dar o pré-sal à Petrobrás e de aliar-se o Brasil aos Brics. O enraivecimento extremo da mídia que representa estes capitais, resultou num grande crescimento da oposição que esteve perto de ganhar as eleições e derrubar toda a nova diretriz neodesenvolvimentista. E continua extremamente pesada, buscando caminhos de derrubar o governo ou, pelo menos, sabotá-lo contínua e resolutamente. Cenário político muito mais preocupante do que o econômico.

A Presidenta, consciente da gravidade, chamou a Nação ao entendimento e ao acordo desde o primeiro pronunciamento depois de reeleita. E deu conseqüência a este chamamento compondo realisticamente o seu ministério, com a pequenez necessária para ter a indispensável maioria no Congresso, e com o gesto maior de abertura ao capital interno (a contenção das despesas públicas), feito na dosagem própria para não desviar substancialmente da linha de priorização da ética da justiça social. Quando houve a ameaça da mudança da política do salário mínino, a própria Presidenta cuidou de corrigir o desvio intentado.

Conter gastos e cuidar do investimento por um ou dois anos passou a ser uma estratégia política da maior importância, em busca de uma aliança de classes brasileira capaz de se contrapor à ofensiva demolidora do grande capital mundial. E a nomeação de Joaquim Levy, economista ortodoxo mas de bom senso e bom caráter, é parte fundamental desta estratégia. Lá foi ele a Davos e se saiu muito bem, para o empresariado brasileiro. A Presidenta foi a La Paz e fez o que de melhor tinha para fazer, prestigiar a posse do grande líder Evo Morales.

Outra peça importantíssima desta estratégia política é a nomeação do novo Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que fica para outro artigo.

Publicado na Carta Maior (03/02/2015)


Roberto Saturnino Braga. Engenheiro. Foi vereador, prefeito, deputado federal e senador da República do Rio de Janeiro.


Créditos de imagem: cartamaior.com.br

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