Em Destaques, Vida Nacional

Por Daniela Lima e Guilherme Genestreti

Na senda da crise política

José Eduardo Cardozo, advogado de defesa de Dilma no impeachment, entrou no estúdio de um programa de TV já cercado por câmera e microfones. Era a equipe da documentarista mineira Petra Costa que o seguia. “Acompanham tudo, vão em casa, no escritório”, disse Cardozo.

Petra (de “Elena”) está por trás de um dos ao menos cinco projetos de documentários sobre a crise política e o afastamento de Dilma que estão sendo rodados. As equipes se tornaram presença frequente nos corredores do Congresso e do Palácio da Alvorada.

 Só a diretora mineira afirma ter mais de 500 horas de gravações. O acesso que os aliados da petista deram aos documentaristas fomentou desconfiança na oposição.

“Me incomoda muito acharem que vamos fazer um filme panfletário. É um trabalho de nuances, um registro histórico”, afirma Petra.

A mesma queixa é feita pela brasiliense Maria Augusta Ramos. A cineasta, que assina filmes com forte veia crítica, como “Justiça”, diz que começou a filmar o impeachment por “angústia pessoal”.

As duas conseguiram acesso a reuniões de senadores da bancada do PT. Segundo assessores dos parlamentares, foram autorizadas a gravar encontros privados, em que são discutidos discursos e estratégias de atuação. Há registros também de desabafos e críticas à atuação da própria Dilma e do partido.

“Foquei personagens que participaram da comissão. Aécio não estava. Falei com o Cássio Cunha Lima [líder do PSDB]. Mas tive muito mais acesso aos senadores que são contra [o afastamento de Dilma]”, afirma Maria Augusta.

Anna Muylaert (“Que Horas Ela Volta?”), César Charlone (“O Banheiro do Papa”) e Lô Politi (“Jonas”) se juntaram num terceiro documentário, tocado a seis mãos. O foco é a crise política a partir da perspectiva de Dilma.

“É sobre o afastamento da primeira mulher eleita”, diz Lô, que atuou com o marqueteiro João Santana na campanha petista de 2014. “Criei um elo durante a campanha e ela deixou que a filmássemos.”

Lô tem acesso ao Palácio da Alvorada, à presidente deposta, aliados e assessores.

Petra e Maria Augusta não tiveram autorização formal para circular na Câmara. A primeira contou com a “boa vontade” de um deputado do PTB. A outra filmou a votação do lado de fora, onde havia manifestantes pró e contra o afastamento de Dilma.

O goiano Adirley Queirós (do premiado “Branco Sai, Preto Fica”) está documentando a crise fora dos corredores do poder. Para seu “Era Uma Vez Brasília”, ele tem entrevistado pessoas comuns da capital e da cidade-satélite de Ceilândia, onde vive. “É político, mas o foco é como as pessoas que não são políticas veem tudo isso”, afirma.

Circula entre cineastas que Silvio Tender (“Jango” e “Os Anos JK”) também prepara um filme sobre a crise. A reportagem não conseguiu localizar o diretor, um dos principais documentaristas brasileiros.

De onde vem o dinheiro

Primeiro diretor a filmar a crise, o carioca Douglas Duarte deu uma pausa nas gravações. O grosso de seu material foi feito quando o processo ainda tramitava na Câmara.

O impeachment não era seu alvo inicial, mas o retrato de “políticos radicais”.

Douglas acabou conseguindo uma credencial, mas viu a história sobre políticos ser engolida pelo impeachment.

“Achei que deveria aproveitar para expor como o Congresso funciona. No dia em que a OAB foi entregar seu pedido de impeachment, virou um caos, com deputados se empurrando como se estivessem no pátio do colégio.”

Dos cinco, Douglas e Adirley estão sendo financiados com dinheiro público. O primeiro ganhou R$ 300 mil em edital da Rio Filmes. Já o segundo é patrocinado pelo Fundo de Apoio à Cultura, do governo do Distrito Federal.

No plenário do Senado são comuns as insinuações de que o PT patrocina os filmes.

“Todos os custos são pagos pela minha produtora”, afirma Petra. Maria Augusta também diz que está bancando do próprio bolso: “Vou procurar parceiros. Não vou usar a Rouanet.” Anna, César e Lô também dizem ter investido o próprio dinheiro no filme.

Maria Augusta conta que esteve no Alvorada, acompanhando reuniões de Dilma. Diz que ela parecia não “curtir” a filmagem, mas estava à vontade. A diretora vê certo “heroísmo” nos senadores do PT que travaram batalha retórica para defendê-la na Casa.

“Foi comovente vê-los se esgoelando mesmo sabendo que iam perder.” Ela diz, porém, que não se conduz por lógica “binária”. “Não tem essa de golpista e não golpista.”

Douglas diz não ser “fã” da presidente deposta. “Mas apesar dos problemas com Dilma, respeito a democracia.”

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Cinema político | Diretores e seus projetos

Adirley Queirós – O foco de “Era Uma Vez Brasília” é a percepção da crise a partir de pessoas comuns do Distrito Federal

Anna Muylaert, Lô Politi e Cesar Charlone – Abordam a crise a partir do ponto de vista de Dilma e têm acesso à presidente deposta e seus aliados

Douglas Duarte – “Excelentíssimos” começou como retrato de figuras do Congresso e foi engolido pelo impeachment

Maria Augusta Ramos – Diz que busca um retrato apartidário da crise política e tem entrevistado diversos parlamentares sobre o tema

Petra Costa – A diretora de “Elena” e “Olmo e a Gaivota” tem circulado pelos corredores do Congresso e filmado os protestos do lado de fora

FSP: 02/09/2016.

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Daniela Lima e Guilherme Genestreti.  Jornalistas.

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