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Houve uma imperdoável omissão no artigo da semana passada nessa coluna*, em que foi enaltecida a perseverança durante quase vinte anos da dupla Leonhardt-Harnoncourt que gravou, até o presente, quase 90% das Cantatas Sacras de Bach. Pois Helmuth Rilling, sozinho, já encerrou sua série iniciada muito tempo depois do começo daquela de Leonhardt e Harnoncourt. A omissão, entretanto, se explica pela minha pessoal falta de entusiasmo pelo estilo de Rilling que vem diretamente daquele de Münchinger, e, até certo ponto, de Richter. Mas que alcançou seu apogeu com Thomas e Lehmann. Todos eles, por outro lado, derivam de Scherchen.

Há muito que louvar nessa forma precisa e clara, com ritmos incisivos e sonoridade brilhante. Principalmente quando aplicado às Cantatas posteriores a 1728 que, com frequência, envolvem corais e efetivos instrumentais mais expressivos. Todavia o espírito do Barroco não está inteiramente contido aí. Falta alguma coisa.

Além do mais, Rilling muito raramente alcança a alta eficiência de seus predecessores nessa linha de interpretação. Todavia, e a coletânea mais que satisfatória para aqueles que não tomam a verdade musicológica como cânon absoluto e são insensíveis a essa sonoridade sensual tão peculiar a Bach e à sua época.

E um leitor pergunta: com tanta cantata, como escolher? O problema é de fato complexo para o iniciante nesse imensamente rico segmento da obra de Bach. Mas não é diferente da aproximação que se faz correntemente em outros itens da literatura musical. Mas aqui a solução talvez seja mais simples, pois não há erro possível quanto à escolha das Cantatas específicas a serem adquiridas. Todas são obras primas. E as mais extensas coletâneas em LP, a de Leonhardt-Harnoncourt (oitenta discos), a de Richter (trinta discos), a de Rilling (cinquenta discos), a de Ramin (dez discos), são, na pior hipótese, satisfatórias.

O leitor dessa coluna saberá evitar as poucas remanescentes versões romantizadas que foram correntes até o final da década de 60 e incluem nomes muito populares como Bernstein e mesmo Karajan. Essas idiossincrasias já não ocorrem mais. Mas se isso satisfaz o leitor, serão mencionados alguns pináculos da discografia do gênero.

Em primeiro lugar as viris, enérgicas, exuberantes gravações das Cantatas 27, 118 (fragmento), 158, 59, 89, 90 e 161, assinadas por Schröder e Jürgens com o Concerto Amsterdã e o Coro Monteverdi de Hamburgo. Ainda com Jürgens, a maravilhosa gravação da 106 e da 182, da 18 e da 152, e um conjunto de intérpretes que poderá um dia ser igualado, mas dificilmente será superado.

Em uma veia menos dinâmica, mas de encantadora espontaneidade estão as gravações do Bach-Studio (Cantatas) e que foram editadas no Brasil, mas sem o esmero técnico da prensagem original alemã. A 117 e a 93 com Doormann, a 4 e a 182 com Ehmann, a 46 e a 65 com Kahlhöfer, a 23 e a 159 com Thomas, a 13 e a 166 com Barbe. Peter Schreier nos oferece atraentes versões das Cantatas para tenor, 189, 160 e 55. Fritz Lehmann também nos deu algumas versões memoráveis, a 170, 189 e 21, e não podemos esquecer Thomas nas 82 e 56 com Prey.

Pois bem, essa pequena amostra dará ao melômano dedicado uma convincente amostragem da genial arte de Bach como especialista no gênero. Todavia, não será de maneira alguma uma loucura se o ouvinte fanático decidir adquirir os noventa ou cem discos que conterão em breve a interpretação da dupla Leonhardt-Harnoncourt. A esposa quase sempre perdoa essas pequenas extravagâncias.

*Ver artigo: “A série completa das Cantatas de Bach” – 10/01/1988

Nota – Do livro do autor Um Roteiro para Música Clássica. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1992. 705p. Publicado originalmente no jornal FSP: 17/01/1988.

Johann Sebastian Bach

“Wachet auf, ruft uns die Stimme (BWV 140)

The Amesterdam Baroque Orchestra & Choir

Tom Koopman

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