Em Conjuntura Internacional, Destaques

Vou fazer uma pausa no acompanhamento da movimentação do Estado Islâmico (EI) e seus reflexos na política externa de Barack Obama, a fim de atualizar um pouco a marcha do governo da Quinta Geração, na China. Em novembro de 2013 – recorde-se -, o Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC) reuniu-se para a clássica Terceira Sessão Plenária, após sua reconstituição no XVIII Congresso Nacional do partido (2012). O centro das discussões, em 2013, foi o estado da economia, e a resposta dada aos sérios desafios com que se defrontava o país apoiou-se na elevação do papel do mercado, de “básico” como se dizia até então, a “decisivo” na alocação de recursos para a economia.  Ainda antes da Plenária, o Conselho de Estado criou, em Xangai, uma Zona Piloto de Livre Comércio da China, projeto defendido com empenho pelo Premiê Li Keqiang, que o via como laboratório para as reformas econômicas em preparo. Estas reformas e mesmo a Zona Piloto de Xangai não têm prosperado, devido basicamente, ao que comentam analistas chineses, à resistência de autoridades locais aos esforços da liderança central pelo aprofundamento da orientação para o mercado. “Uma mentalidade obsoleta de desprezo pela lei reina entre alguns setores da Administração” – comentou, por exemplo, a agência de notícias Xinhua. Acrescente-se que também há sinais de discordâncias entre o Premiê e o Presidente Xi Jinping, que tem procurado estender sua autoridade ao setor econômico, reserva tradicional do Primeiro Ministro.

Contra essa tela de fundo de resistência de autoridades locais e discordâncias na cúpula do regime, foi convocada agora no final de outubro, com a marca nítida de Xi Jinping, uma Quarta Sessão Plenária, com a participação dos 200 membros titulares e 170 suplentes do XVIII Comitê Central. Oficialmente, pela primeira vez na história das sessões plenárias do PCC, para discutir o fortalecimento da autoridade da Lei. Uma longa Resolução, publicada no dia 28 de outubro de 2014, sintetizou os resultados da reunião como o chamado a “uma extensa e profunda revolução na maneira como a China vem sendo governada”. Postula-se a consolidação de um Estado de Direito até 2020, e maior respeito à muito negligenciada Constituição. A data de 4 de dezembro será a partir de agora comemorada como o Dia da Constituição Nacional, e todos os servidores públicos, membros do PCC e das Forças Armadas terão de jurar obediência à Constituição e “tomá-la para guia das suas atividades”. Quando Xi Jinping assumiu o poder – lembra The Economist (01.11.14) – ele pôs ênfase por algum tempo no peso da Constituição, mas logo reduziu seu entusiasmo diante do uso que intelectuais liberais começaram a fazer de alguns artigos da Carta, notadamente as emendas introduzidas há dez anos, tornando explícita a proteção dos direitos humanos e da propriedade privada. Tudo indica que o entusiasmo está voltando.

O renascido entusiasmo de Xi Jinping pela autoridade da Constituição pode ser visto como desdobramento da sua cerrada campanha contra a corrupção, no Estado e no Partido. Foi significativo que tenham sido chamados a participar da Quarta Plenária os membros da Comissão Central de Inspeção Disciplinar, o organismo que se ocupa dos expurgos no PCC. Medidas terão sido decididas na reunião com vistas a centralizar o controle dos tribunais, dando ao mesmo tempo maior independência aos juízes. Limitando também a influência das autoridades locais sobre o Judiciário. “Com apenas dois anos à frente do regime” – assevera Elizabeth C. Economy, em artigo no número em curso de Foreign Affairs – “Xi Jinping firma-se como líder transformador, com uma agenda de reformas, talvez de revolução, no quadro político interno da China e nas relações do país com o resto do mundo.”

Não se conclua, porém, que Xi esteja abrindo as portas para um debate “constitucionalista”, na China. O documento emanado da Quarta Plenária deixou claro: “De forma alguma vamos copiar, indiscriminadamente, conceitos e modelos estrangeiros sobre o reino da Lei.” É de esperar que os tribunais de primeira instância sejam tornados mais imparciais e as autoridades locais sejam tolhidas na tendência a pesar sobre o processo legal.  A Constituição é trazida à baila – conforme observou The Economist – como um embargo máximo aos infratores costumeiros. Ou em outras palavras: o objetivo de toda essa movimentação não é ampliar as liberdades individuais à maneira ocidental, e sim aperfeiçoar a ação do PCC na orientação da vida coletiva. O Estado de Direito com características chinesas.


Créditos de imagem: chinainvest.com.br

Facebooktwitter