Em Conjuntura Internacional, Destaques

Quando em agosto de 2014, numa inesperada demonstração de força, o Estado Islâmico (EI) apoderou-se da Província de Anbar, a oeste de Bagdá, e marchou contra Mossul, segunda maior cidade do Iraque, ocupando-a (continua assim até hoje), juntamente com a enorme barragem de Mossul, peça-chave do fornecimento de eletricidade para a região, os EUA e alguns aliados europeus convenceram-se de que era imprescindivel organizar-se para combater o novo movimento.  Surgiam sinais de que o EI preparava-se para atacar Erbil, a capital do Curdistão iraquiano e hoje sede de serviços especiais dos EUA, e Washington concluiu pela necessidade de coordenar a entrada em cena de sua aviação, com a mobilização no solo das forças armadas curdas, os peshmergas.

Vem a propósito, então, uma rápida recapitulação da história dos curdos, povo de língua indo-ariana que muitos vêem como descendentes diretos dos medas. Subjugados por persas e pelos otomanos, os curdos aspiram há mais de dois mil anos pelo seu Estado, reivindicação que chegou a ser atendida no Tratado de Sèvres (1920), numa das fases da Conferência de Versalhes. Em fase seguinte (Tratado de Lausanne – 1922), no entanto, ingleses e franceses lograram desfazer essa conquista, e os curdos foram repartidos entre Iraque, Turquia, Irã, Síria e Armênia, numa divisão prioritariamente decidida em função do petróleo. As tratativas recentes para o fim da ocupação americana do Iraque incluíram a criação de uma zona semi-autônoma curda, que é a entidade agora mobilizada contra o EI e à qual os EUA se viram compelidos a fornecer armamento moderno. Foram os peshmergas que barraram o avanço das tropas do EI e retomaram a barragem de Mossul. O exército iraquiano desapareceu do Norte do Iraque, abandonando inclusive a cidade de Kirkuk, hoje ocupada pelos curdos. Conforme evolua o combate contra o EI, tornou-se mesmo admissível a criação no prazo médio de um Estado curdo, desenvolvimento que sacudirá toda a região do Oriente Próximo.

Os curdos são importantes para a luta no terreno, mas eles tenderão a limitar sua ação aos territórios em que são maioria, nos países pelos quais foram distribuídos. Aos EUA caberá a direção do enfrentamento com o EI e a provisão de fundos e material para a empreitada. Vale dizer, Obama está tendo de rever sua estratégia de desligamento do Oriente Próximo para lançar-se à formação de mais uma coalizão de países prontos a apoiar a ação americana. Cuidou, também, de colocar no poder em Bagdá um novo governo, simpático aos objetivos de Washington. O Congresso americano não autorizou atos de guerra e os EUA tampouco obtiveram a concordância do Conselho de Segurança para intervir no Iraque, mas uma cúpula da OTAN (05.09.14) permitiu a formação de coalizão ocidental “para combater o grupo radical Estado Islâmico”. EUA, França, Grã Bretanha, Alemanha, Itália, Dinamarca, Canadá, Austrália e Turquia uniram-se em torno de um plano de longo prazo, especificamente para o Iraque, que Obama disse já estar pronto, sem dar detalhes. A mobilização anti-EI recebeu impulso significativo, no dia 15 de setembro, numa “Conferência Internacional sobre a Paz e a Segurança no Iraque”, reunida em Paris por iniciativa do Presidente François Hollande: 27 países, incluindo os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e membros da Liga Árabe, comprometeram-se a ajudar o Iraque a combater o EI. Merece registro, ainda, a aprovação unânime, no Conselho de Segurança, de resolução obrigando os 193 Estados membros da ONU a criminalizar o deslocamento de cidadãos seus para integrar grupos terroristas no estrangeiro. A inteligência dos EUA estima que mais de 15 mil militantes, de 80 países, estão atualmente ativos na Síria. A repercussão desses dados nas redes sociais, bem como a divulgação das fotos de degolamento de jornalistas, levaram a opinião pública americana a inverter sua rejeição à intervenção militar no Iraque e Síria.

Animado com o apoio das redes sociais, Obama expandiu à Síria seus ataques contra o EI. Na noite de 22 de setembro, os EUA e aliados bombardearam alvos sírios, numa iniciativa que Obama disse ser “apenas o começo” de campanha que poderá durar anos.  Deu ele realce, também, à participação de cinco países árabes (Arábia Saudita, Bahrein, EAU e Jordânia com presença ativa nos bombardeios e o Catar fornecendo apoio logístico). Em dias subseqüentes veio à tona que, além do EI, a aviação dos EUA havia atacado posições de um grupo desconhecido até dias antes, o Khorasan.  O Pentágono pretende que se trata de um desdobramento da Al Qaeda, com terroristas treinados em métodos sofisticados de fabricação de bombas, o que faria do Khorasan ameaça mais concreta para a população americana do que o EI. Esses ataques a alvos de interesse particular dos EUA têm aumentado a controvérsia em torno dos próprios bombardeios.  Sem observadores no terreno, os militares americanos dependem de satélites e drones para a seleção dos alvos, e grupos de rebeldes anti-Bashar Assad vêm criticando a ação americana como pouco eficaz nos seus resultados.


Créditos de imagem: kurdpress.com

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