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Tudo começou com a “Primavera Árabe”, conjunto de acontecimentos aparentemente não conexos, que se apresentaram como libertários dispostos a interromper as ditaduras prevalecentes em muitos dos países árabes que, não obstante, se diferenciavam pelas suas propostas laicizantes. E de fato havia muitas das nações ditas islâmicas começado a se descaracterizar como teocracias, amenizando a “sharia” ou seja, o governo pelas leis islâmicas. A derrota, ou pelo menos a contestação dessas ditaduras abriu brechas para insurgências de natureza retrógrada, a “sharia” e seu postulado a “jihad”, a guerra santa, estimuladas pela agressividade expansionista de Israel e pela presença inoportuna de tropas americanas.

Ficamos perplexos com as recentes atrocidades perpetradas pelos movimentos jihadistas. Esquecemos que tragédias equivalentes ou piores já haviam ocorrido no passado no ocidente, como por exemplo, após o debacle moral do Santo Império Romano e do Papado em meados do século XVI e consequente difusão do Calvinismo, em síntese muito parecido então com a “sharia” de hoje. Ao fim da última etapa das guerras religiosas, ou seja, durante a guerra dos trinta anos, um terço das populações que hoje compõe a Alemanha havia sido exterminado. E a barbárie e a desfaçatez de então não eram menos violentas que as do Estado Islâmico (Isis). A diferença é que não havia televisão à época.

A luta entre teocracia e laicismo é perene e todo recrudescimento de ortodoxias religiosas se alimenta de razões de ordem econômica, ou pelo menos de necessidade de sobrevivência, senão de supremacia. Eis porque as religiões precisam convencer seus adeptos de que são eles “os escolhidos”, o que proporciona legitimidade às suas conquistas.

Uma observação interessante é que todo movimento religioso de reação contra o laicismo se caracteriza pelo retorno às suas escrituras, ao livro, e um forte recrudescimento do monoteísmo absoluto. A intolerância se estende ao seu próprio panteon. Toda religião evolui pelo abrandamento da onipotência de seu Deus original, pela criação de novos figurantes. Do monoteísmo hebreu surgiram os profetas, inclusive do cristianismo, de onde, além de Cristo eclodem anjos e santos aos borbotões. Basta lembrar que há Nossas Senhoras para todos os gostos. O mesmo acontece com o Budismo, com dezenas, centenas, senão milhares Budas e botthsatvas. Os Lohans do Taoismo, os Sábios do Confucionismo. Até o Islamismo tem seu profeta.

Aliás, essa rejeição de acólitos do Deus supremo também ocorreu nas mais recentes denominações dissidentes do Catolicismo, ditas neopentecostais, que também disputam poder político, exatamente como as nações de religiões monoteisantes. A diferença é que a guerra santa dos neopentecostais se faz com outras armas, mais modernas, mais práticas e talvez mais eficientes. Meios de comunicação como rádios, televisões, e meios políticos como o Congresso Nacional, as Câmaras Municipais, as Assembleias Estaduais, foram ou estão sendo invadidas. Seria o começo da derrota do secularismo, que no passado sempre prevaleceu no Brasil? Seria a vitória da intolerância? Estaríamos caminhando sorrateiramente, para uma teocracia?

Publicado no jornal FSP: 06/07/2015.

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