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Redação

 

O golpe que usurpou o lugar de uma Presidenta mandatada por 54 milhões de votos foi formalizado dia 12 de maio. No dia 13, no 128º aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil, os interventores anunciaram uma série de medidas, entre elas a extinção de conselhos de minorias e de ministérios.

No pacote das revogações foram incluídas as pastas da Igualdade Racial e a da Cultura, entre outras.

No novo ministério anunciado em seguida pelos interventores não constam negros, mulheres ou representantes de movimentos sociais.

Dois dias depois, na madrugada do dia 14, um jovem haitiano preto, Getho Mondesi, estudante da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA),criada em 2010 pelo governo Lula como usina de integração cultural  e promoção da solidariedade entre os povos da AL e Caribe, foi brutalmente espancado e ofendido num bar em Foz do Iguaçu. Mondesi foi levado ao hospital sangrando, sobretudo na cabeça atingida por garrafadas e cacos de vidro.

Segundo testemunhas, o estudante tentou dialogar com seus agressores, que respondiam com mais violência e gritos racistas e xenófobos.

Quem acredita que essa sucessão de sobressaltos é uma simples coincidência gregoriana talvez esteja cometendo o mesmo erro de outros distraídos da história.

Nos anos 30/40 na Alemanha não foram poucos os que interpretaram as primeiras perseguições a judeus, a artistas e a comunistas como acidentes pontuais. O que se seguiu é sabido. Agora mesmo, na Grécia, sufocada por sacrifícios fiscais e trabalhistas impostos por credores da UE, muitos desdenharam da ascensão de milicias fascistas barulhentas. Em pouco tempo elas passariam a espancar refugiados e imigrantes nas ruas de Atenas, ademais de usurparem funções do Estado no policiamento e perseguição a jovens ‘suspeitos’, a ambulantes e pobres sem documentos.

Nesta 4ª feira, dia 18, quatro dias após o espancamento de Mondei, o interventor do golpe no Itamaraty, Jose Serra, usou seu discurso de posse para atacar o que classificou de ideologização da política externa brasileira nos governos Lula e Dilma.

O  ‘novo Itamaraty’, segundo o ex-governador de São Paulo e um aliado de primeira hora do golpe, deixará de ser usado como instrumento publicitário e partidário. O colunista da Folha Matias Spektor observou que ‘este foi o primeiro discurso de posse em quase 20 anos de Itamaraty sem a expressão “América do Sul’, o que em si encerra um alinhamento ideológico, publicitário e geopolítico.  Na política externa, o Itamaraty do golpe, confirmou Serra, pautará sua ação pelo compasso internacional do México, conhecida referência de americanofilia econômica e geopolítica.

A garrafada que atingiu a cabeça de um estudante haitiano em uma universidade de integração latino-americana não caberia no discurso do novo chanceler que demoniza a concepção de nação e de desenvolvimento da qual a UNILA é um dos frutos. Não caberia mas pulsa ali como um grito de alerta.

A virulência política e econômica da agenda do golpe mostra –de forma algo assustadora, mas cada vez mais clara– que é grande o risco de o país ingressar em uma longa noite das garrafadas. Dirigidas nao apenas contra a cabeça de estudantes negros da UNILA.

Leia a carta de solidariedade do professor José Renato Vieira Martins, da área de Ciência Política e Sociologia  da UNILA, a seu aluno Getho: http://bit.ly/1sCHjWf

 

Carta Maior [http://cartamaior.com.br/]: 19/05/2016.

José Renato Vieira Martins. Doutor em Ciência Política (USP).


Imagem: Carta Maior

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