Em Destaques, Vida Nacional

Por Cláudio Couto

Wanderley Guilherme dos Santos é um dos mais notáveis (se não o mais notável entre os vivos) de nossos cientistas políticos, considerado o conjunto de sua obra, os diversos campos pelos quais se embrenhou e as fundamentais categorias de análise que cunhou em sua longa trajetória de pesquisador, passando por diferentes plagas.

Além de cientista social rigoroso, pródigo na produção de obras e categorias de referência no campo estritamente acadêmico, é um arguto analista de conjuntura. E faz tempo. Celebrizou-se seu texto de antes de 1964 com o provocativo título “Quem dará o golpe no Brasil?”, quando o ainda muito jovem cientista social já se embrenhava na análise de política imediata.

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Manteve essa produção intelectual no período recente, contribuindo para diferentes veículos, blogs e periódicos de divulgação científica. É daí que resulta À Margem do Abismo: Conflitos na política brasileira (Editora Revan, 38 Reais, 200 págs.) Nos textos reunidos, adota estilo informal e irônico, com a liberdade literária cabível no ensaísmo da análise política imediata, mas pouco aceita nos textos acadêmicos.

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Ela faz com que, por vezes, um mesmo artigo esbarre em diferentes questões, nem sempre enunciadas de forma explícita, sugerindo que o problema central precisa ser observado em contexto mais amplo, com fatores intervenientes que contam para a compreensão do tema, ainda que não sejam esclarecidos todos os liames. A sugestão, porém, fica ali presente para que o leitor seja posto a pensar no que não foi dito com todas as letras.

O livro reúne textos publicados entre 2002 e 2015, lidando com ampla gama de questões, variando de acordo com as conjunturas relevantes em cada momento. Mas há dois fios condutores que unificam o conjunto e desnudam as preocupações centrais: a transformação social e política do Brasil nos últimos anos e a reação por parte das elites (sociais e políticas) estabelecidas.

A opção pela organização cronológica dos trabalhos não oculta os fios condutores, mas obscurece a importância de algumas temáticas que deles derivam e em torno das quais talvez o livro pudesse ter sido organizado, facilitando a compreensão do leitor. Talvez a opção por não o fazer tenha decorrido justamente do fato de que os artigos esbarram em diferentes assuntos, não sendo tão simples compartimentá-los. Arriscar-me-ei, entretanto, a apontá-los: a estratificação social e o voto no Brasil, a indesejabilidade da reforma política, a natureza de nossas instituições democráticas, a corrupção e suas implicações políticas e, por fim, o golpismo da oposição.

Quanto a este último, observa: se “a estabilidade da democracia depende crucialmente do comportamento dos perdedores”, causa preocupação a conduta do PSDB, que como a velha UDN “faz política porque não tem outro jeito”. O inconformismo com a vitória eleitoral alheia já se manifestara em 2005, quando explodiu a crise do Mensalão, e foi retomado com ímpeto multiplicado no período mais recente, quando a direita assumiu a liderança das mobilizações de rua, roubando um espaço que tradicionalmente fora ocupado pela esquerda.

Como se pode notar pelos últimos acontecimentos, Wanderley Guilherme dos Santos, uma vez mais, notou com argúcia o encadeamento dos eventos. É essa capacidade de encadear processos diversos, por vezes esbarrando neles, que o autor revela nos textos reunidos no livro. Para quem deseja decifrar o turbilhão que vimos vivendo, sua leitura pode ser um bom começo. 

CartaCapital: 24/01/2016.

Cláudio Couto. Jornalista.


Imagem: 1- THIAGO RIPPER/RBA; 2 e 3- reprodução

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