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Por José Dari Krein e Magda de Barros Biavasch

Trata-se de artigo que apresenta uma análise do mercado e das relações de trabalho no Brasil dos anos 2000. A principal hipótese é a de que há movimentos contraditórios. Por um lado, constata-se real melhora de diversos indicadores do mercado de trabalho, em especial quanto à formalização, queda do desemprego e elevação da renda média dos trabalhadores. Por outro, o processo de flexibilização das relações de trabalho persiste nas formas flexíveis de contratação da força de trabalho, como é o caso da terceirização, na remuneração variável e na modulação da jornada. Apresentamos abaixo de forma abreviada a introdução do estudo em pauta.

A tendência internacional, consoante com as características do capitalismo contemporâneo, é a da flexiblização das relações de trabalho e diminuição da proteção social do trabalhador. Neste artigo, pretende-se apresentar um balanço das normas de proteção social do trabalho nos anos 2000 no Brasil, mais precisamente de 2003 a 2013, tendo-se como parâmetro os aspectos que contribuem para ampliar o leque dessa regulação pública ou flexibilizá-la.

Por flexibilização, compreende-se o aumento da liberdade de o empregador definir unilateral e discricionariamente a contratação, o uso e a remuneração do trabalho. Já quanto à regulação social (NORONHA, 1998; KREIN, 2013), ao se tratar da normatização no Brasil, identificam-se três espaços de construção: o Estado; a negociação coletiva via atuação sindical; e, o poder discricionário do empregador na definição das regras disciplinadoras da relação capital e trabalho. No caso do Estado, essa regulação se dá: pelo Poder Legislativo, expressando-se, sobretudo, nas leis; pelo Poder Executivo (especialmente Ministério do Trabalho e Emprego e da Previdência Social), expressando-se nas Portarias e NRs – Normas Regulamentadoras, com foco na área de saúde e segurança do trabalho, e nos parâmetros definidos pelo Sistema de Fiscalização; e, pela Justiça do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho, respectivamente, em suas atribuições de concretizar o direito na norma de decisão e de atuar na condição de fiscal da sociedade, inclusive com legitimidade para propor Ações Civis Públicas e Ações de Nulidade de cláusulas negociais por abusivas ou redutoras de direitos. Ou seja: instituições que contribuem tanto para a efetividade dos direitos normatizados quanto para a definição de novos parâmetros que regem as relações de trabalho.

Neste artigo, a regulação pública do trabalho é compreendida como sendo a estabelecida tanto pela via do Estado quanto pela negociação coletiva, no espaço público e não no mercado, em que o poder discricionário do empregador é prevalente (DEDECCA, 1999). Na análise que este texto apresenta, a ênfase maior será dada às normas produzidas no âmbito do Estado. Essa opção está fundamentada na compreensão de que o modelo brasileiro é o legislado, sendo o Estado o definidor prevalente das regras do trabalho e da proteção social (NORONHA, 1998 e CARDOSO, 2003).

Já quanto ao Estado e ao Direito as referências são, sobretudo, Poulantzas (1990) e Neumann (1998). Em Poulantzas, o Estado não é pura e simplesmente uma relação, mas uma condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe. Nesse sentido, o Estado não é um bloco monolítico sem fissuras, cuja política se instaura a despeito de suas contradições. O Estado, condensação material de uma relação contraditória, 3 não organiza a unidade do bloco político no poder desde o exterior. Mas é o jogo dessas contradições na sua materialidade que torna possível a função de organização do Estado (BIAVASCHI, 2007). Quanto ao Direito do Trabalho compreendido com relação, as referências estão em Neumann (1983); ou seja, uma relação de força, assim como é uma relação de forças a que se estabelece entre capital e trabalho.

Essa opção teórica, conectada com as lutas e conflitos próprios de uma sociedade em determinado momento histórico, permite que mais bem se compreendam as próprias contradições do processo da construção normativa e das politicas públicas no Brasil no limiar do Século XXI. A análise evidencia essas contradições em um período em que, por um lado há melhoria dos indicadores do mercado de trabalho e, por outro, persistem e, por vezes, se intensificam certas tendências flexibilizadoras das relações de trabalho, sendo a terceirização uma dessas expressões. Portanto, não há tendência única. Daí a hipótese: movimentos contraditórios em meio aos quais foram viabilizadas algumas regulamentações que fortalecem a lógica da flexibilização, pari passu a outras que ampliam a tela da proteção social. O que se percebe, no entanto, é que em geral são medidas de caráter mais pontual, sem que alterações estruturais do arcabouço legal institucional se tenham efetivado, apresentando-se a organização dos trabalhadores mais com poder de veto e resistência às medidas colocadas na agenda desde os anos 1990, do que com efetivo protagonismo na ampliação do leque da proteção social. Nesse cenário, o tema da política e da correlação de forças ocupa espaço privilegiado.

Não é demais ressaltar que essas tendências contraditórias se deram em período em que o mercado de trabalho apresentou indicadores positivos, como: redução do desemprego, aumento da formalização e da renda dos assalariados, especialmente dos que estão na base da pirâmide social. Nesse sentido, as evidências empíricas não confirmaram as teses liberais dos anos 1990 que condicionavam a melhora do mercado de trabalho à alteração do arcabouço legal. Nessa démarche se, por um lado, a experiência brasileira dos anos 2000 não confirmou as teses fundadas na visão de que informalidade, desemprego e baixos salários são resultantes de excessiva ou de equivocada regulamentação, por outro é fato que certas tendências flexibilizadoras continuaram avançando no contexto de reorganização da produção de bens e serviços e do trabalho no capitalismo contemporâneo, com destaque à terceirização, à remuneração variável e à redefinição do tempo de trabalho.

Na análise das medidas aprovadas ou em tramitação no período e das cláusulas dos instrumentos coletivos de trabalho, optou-se por organizá-las em duas categorias: 1. As que reduzem a tela da proteção social, fortalecendo a flexibilização; 2. As que ampliam a tela da proteção social e reforçam a regulação pública. Em cada uma, privilegiaram-se quatro aspectos: a remuneração do trabalho; as formas de contratação; o tempo de uso da força de trabalho; e, a inclusão de trabalhadores na proteção social (formalização).

Desde logo, deixa-se claro que se parte da ideia de que os movimentos contraditórios tratados neste texto estão profundamente imbricados na dinâmica da economia e do mercado de trabalho. Uma melhor estruturação desse mercado tem como suposto o crescimento econômico, na medida em que organiza a alocação das ocupações geradas na sociedade. Essa compreensão, porém, não elimina outra, igualmente importante: “a de que o arcabouço jurídico institucional trabalhista, que inclui tanto as regras de proteção social ao trabalho como as instituições públicas com incumbência de fiscalizar e garantir seu cumprimento, pode contribuir na estruturação do mercado de trabalho e na definição de certos parâmetros fundamentais que concretizem a dignidade humana, um dos principais preceitos constitucionais brasileiros” (NOBRE Jr, KREIN & BIAVASCHI, 2008: p.119).

O artigo está assim estruturado: 1. Evolução do mercado de trabalho no Brasil no período, base a partir da qual é possível compreender o que ocorreu com o trabalho nos anos recentes; 2. Principais alterações legislativas, com quadros comparativos das medidas que se contrapõem ou reforçam o movimento de flexibilização dos direitos sociais do trabalho, tanto no período 2003-2010, quanto no período 2011-20133; 3. Principais tendências das negociações coletivas no período, com destaque às questões da remuneração, jornada e formas de contratação; 4. As instituições públicas e a terceirização, com foco na Justiça do Trabalho. Nas considerações finais, se procederá a uma síntese desses movimentos contraditórios e da agenda brasileira a respeito da proteção social do trabalho.

Para acesso ao texto integral, tecle aqui: http://bit.ly/1M1QDsr

José Dari Krein e Magda de Barros Biavasch. Economistas.


Imagem: cut.org.br

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