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De seu posto de vice-presidente do banco do Brics, com sede na China, para onde o senhor acha que vai a economia global?

É um quadro muito difícil. Não é de crise aguda, como em 2008/2009, mas é um cenário de estagnação, desemprego muito alto em diversos países, problemas financeiros em várias economias importantes, que podem ser tornar graves e sistêmicos, e insatisfação crescente das populações dos países avançados com suas elites. A percepção é que a renda está se concentrando, que as elites não são confiáveis. Isso se manifesta no Brexit, na ascensão da candidatura de Donald Trump nos EUA, na ascensão de populistas de direita conservadores na Europa. E aí começa a busca aos bodes expiatórios – o migrante, o comércio internacional, os bancos – e acaba levando a uma instabilidade política, que atrasa ainda mais a reforma estrutural. Não vejo solução clara no horizonte.

E as perspectivas dos Brics nesse cenário?

Mesmo a China está numa fase mais difícil, porque há incertezas sobre a economia, dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida privada, sobretudo das corporações. O desafio da China é completar uma transição que está em curso, com mais participação de serviços e menos manufatura, e aumento do consumo. Têm muitos instrumentos e estão usando. Têm espaço de manobra na area monetária, têm espaço fiscal, reservas internacionais gigantescas. Os chineses estão trabalhando para evitar que a aterrissagem forçada se materialize. A Índia está muito bem, em parte porque é importadora de commodities, petróleo inclusive, e se beneficia da baixa de preço. Mas claro que o quadro é mais grave na África do Sul, Rússia e sobretudo Brasil. Um dos fatores que influem no rating de uma instituição bancária é o rating dos países-membros. Então é um headwind, uma condição adversa.

A recessão no Brasil e na Rússia atrasa a obtenção do rating internacional do banco?

Não, porque há dois componentes para a obtenção do rating: a situação dos membros e o stand-alone da instituição, critérios específicos do banco, solidez de suas políticas, de suas práticas internas, funding que está construindo. O banco é um projeto de médio e longo prazo. Não está orientado pela conjuntura. Agora, é verdade que, quanto mais fortes estiverem os membros, melhores nossas condições de operações no curto prazo.

A desaceleração mais acentuada da China pode ser compensada pelo crescimento maior da Índia?

Em parte compensa. Mas a China é tão maior que acaba sendo um fator crucial, inclusive para os indianos.

A África do Sul tem um componente parecido com o Brasil, com a crise política também?

Sim, a África do Sul tem muita semelhança com o Brasil. Depende de exportação de commodities e do mercado chinês. E tem uma situação política frágil. Não tão frágil quanto a brasileira, mas também uma divisão política importante, enfraquecimento do governo. Mas os casos mais delicados são Brasil e Rússia. Os russos sofrem com preços baixos de commodities e sanções internacionais.

Até que ponto os Brics perderam a influência na cena global?

O importante é entender por que os Brics existem. Existem por uma condição estrutural que não se alterou, o tamanho em termos econômicos, geográficos, populacionais dos membros. Ouvi um professor falando que a combinação dos Brics é aleatória. Não é. São países com peso para atuar de forma independente. Com consistência, procuram agir de forma independente. Estive oito anos em Washington, e nossos aliados naturais no FMI eram os países do Brics.

Mas o sr. comentou dificuldades de vez em quando com a China.

Cada um tem seus interesses. Não quero dizer que atuávamos em bloco no FMI, mas quando olhava para a mesa da diretoria e examinava com quem podia contar, era com os outros quatro do Brics. Outros países em desenvolvimento são isolados em seu extremismo ou são países que não têm autonomia, alinhados com alguma potência, com exceções. Os Brics são estruturalmente grandes para continuarem a ter peso, voz e influência, mesmo em situação economica delicada.

Como o sr. vê a nova orientação da política econômica no Brasil?

O Brasil tem um problema fiscal, que foi se agravando, em parte pela própria recessão, e um componente estrutural que precisa ser enfrentado. O ideal, na minha opinião, é aquilo que o ministro Nelson Barbosa vinha tentando e o ministro Meirelles continua agora. É anunciar um programa de médio e longo prazo crível, para não ter de tomar medidas de curto prazo muito fortes que possam aprofundar a recessão, que já é grave. Se esse programa fiscal crível for feito, abre espaço para algo essencial também, que é baixar a taxa de juro, combinando uma política fiscal sólida com uma política monetária mais branda. A baixa da taxa de juros vai ajudar a reativar a economia. Um componente importante do desequilíbrio fiscal brasileiro é a taxa de juro. O quadro é semelhante a 2011, só que mais grave, porque alguns riscos que estavam presentes se materializaram, como a queda acentuada dos preços das commodities e a recessão da economia. Por outro lado, a posição brasileira tem pontos fortes. A situação das contas externas se fortaleceu. As reservas continuam muito altas e há um regime cambial flexível, que dá capacidade de reagir a choques. O Brasil tem que tomar cuidado para que não se instale um novo período de valorização do real.

O sr. vê esse risco?

Se o Brasil conseguir fazer o programa fiscal crível e isso restabelecer um pouco a confiança, o risco é que o real volte a se valorizar demais, dependendo das condições internacionais. Então, a redução da taxa de juro cumpre outro papel, ajuda a frear a valorização do real.

A expectativa nos mercados é que o Banco Central Europeu, Banco do Japão e o Banco da Inglaterra vão jogar mais liquidez no mercado proximamente.

Há o risco da volta excessiva de capitais ao Brasil e o governo brasileiro precisa ter isso em conta.

Seria bom acelerar um pouco o corte de juros?

Sim, desde que sejam criadas condições para isso, sem artificialismo.

O sr. concorda com a orientação economica do governo?

O novo governo na verdade não se estabeleceu ainda. Ele precisa da confirmação do processo de impeachment. O governo anunciou algumas ideias, mas não tem condições políticas ainda de implementar um programa. É preciso saber a composição social do ajuste fiscal. No meu entender, ele tem que preservar programas sociais e dentro do possível preservar o investimento público.

Mas como o sr. avalia os primeiros passos dessa equipe?

Não são muito diferentes dos da equipe de Nelson Barbosa. E é uma situação muito difícil, porque a economia está em recessão, com problema fiscal que vem se acumulando. A dificuldade é como enfrentar o problema fiscal sem aprofundar a recessão.

Seria mais fácil levar adiante o ajuste fiscal com o governo interino ou com a volta da presidente afastada?

Qualquer governo no Brasil, agora ou depois das eleições de 2018, vai ter de buscar consenso. Para a reforma da Previdência, vai precisar de negociação entre governo, empresários e trabalhadores que crie condições políticas para medidas estruturais.

No contexto atual, como fazer reforma estrutural?

O grande desafio é criar estabilidade política que dê a base ao ajuste fiscal. Nosso sistema político não facilita isso. Cedo ou tarde vamos ter de enfrentar o desafio da reforma política. Medidas difíceis terão de ser tomadas. Os custos precisam ser discutidos. O Brasil tem renda concentrada. É importante o ajuste não sacrificar setores mais vulneráveis.

O sr. é filiado ao PT?

Não, nunca fui. Sempre fui próximo. Nunca fui filiado a nenhum partido político.

Indicado no governo Dilma, como vice-presidente do Banco do Brics o sr. tem contato permanente com o governo atual. Isso não lhe causa desconforto?

Minha posição no banco não é de representante do governo brasileiro. Isso se faz por meio do conselho de governadores, com a Fazenda. Tenho mandato, contrato, e a lealdade da administração do banco é exclusivamente com a instituição. Claro que interagimos com governos e os diretores são dos cinco países do Brics. Temos contato mais fácil com nossos respectivos países de origem. Não tive ocasião de conversar com o ministro Meirelles.

Qual o balanço do primeiro ano do banco do Brics?

No primeiro ano, a diretoria aprovou cinco projetos no total de US$ 911 milhões, um de cada um do Brics, todos eles em energia renovável. O maior foi para o Brasil, no valor de US$ 300 milhões, para o BNDES. Outro marco foi a emissão do primeiro título, de 3 bilhões de yuans, cerca de US$ 450 milhões, com prazo de cinco anos e juro de 3,07%, pouco acima dos títulos do China Development Bank. Houve demanda três vezes maior. O banco tem staff de 50 pessoas, mas queremos dobrar rapidamente. Vamos contratar também brasileiros.

O banco agora está aberto para outros países?

Decisão foi tomada na semana passada para começar o processo de diálogo para abrir para novos países gradualmente, desenvolvidos e em desenvolvimento. A ideia é participação com equilíbrio geográfico: América Latina, Europa, África, Ásia.

Com futuros novos membros, em até quanto o capital do banco aumentará?

O capital com os cinco fundadores está sendo integralizado. Serão US$ 10 bilhões em sete anos. Os membros não fundadores poderão ter apenas 45% do total do banco. O aumento de capital com novos sócios pode trazer no máximo US$ 8,2 bilhões, a menos que os fundadores resolvam elevar rapidamente o capital.

O banco vai fazer emissões de títulos também no Brasil?

Vamos fazer emissões em moeda local. Inicialmente vamos explorar os mercados mais líquidos. Depois do chinês, provavelmente será a Índia. No futuro, pensamos em fazer emissões no Brasil.

Valor: 26/07/2016

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