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Por Dr. Rosinha

Em 1990 ,  fui eleito deputado estadual no estado do Paraná. Diplomado, alegre e feliz ,  apresento-me na Assembleia Legislativa do Paraná para saber sobre os preparativos da posse. Quem presidia a  Assembleia, naquela ocasião e em tantas outras ocasiões anteriores e posteriores , era o deputado Aníbal Khury.

Não lembro se foi antes da posse, com a apresentação do diploma , ou se logo em seguida, entreg aram-me  dois documentos: a carteira de deputado estadual e uma autorização para andar armado, ou seja, um porte de arma ,  ou de armas. Os dois documentos foram entregues no mesmo dia,  ou melhor ,  no mesmo momento, só não lembro qual foi o primeiro. Conhecendo a época e o pensamento da maioria dos deputados daquela época, e pode-se dizer até hoje, acredito que o porte de armas foi entregue, simbolicamente, antes da carteira de deputado.

É is s o mesmo, assim que fui eleito recebi de imediato a autorização para andar armado. De imediato, antes que qualquer pessoa me fizesse qualquer pergunta ,  eu mesmo me perguntei: por que a necessidade de andar armado? Estar deputado significa correr mais risco do que o cidadão comum? Se não sei atirar ,  o que vou fazer com uma arma?

Bem, tive por oito anos, período em que exerci o mandato de deputado estadual, porte de armas, mas nunca tive uma arma.

Na ocasião ,  ninguém me perguntou se queria usar arma, se gostava de armas e ninguém me analisou se eu tinha condições psicológicas  para tê-las. No fim e ao cabo, estava autorizado a andar armado e ,  claro ,  a usar a arma “em legitima defesa”. Mas o que é legítima defesa?

Legitima defesa, no geral, é matar alguém e depois contratar um bom advogado para  se defender. Se a vítima for negra e/ou pobre de periferia ,  é mais fácil de provar que agiu em legítima defesa.

Eu não tinha, nunca tive e não tenho armas, mas havia deputados que portavam armas, inclusive nas reuniões de comissões e em sessão plenária. Imagine como me sentia num debate político, quando o debatedor ou ,  se quiser amainar o termo, o interlocutor, tinha uma arma na cint ura. O debate não ocorria ou ,  se ocorria ,  eu estava sempre em franca desvantagem. Desvantagem porque nunca se sabe a reação de um homem armado. Por qualquer razão ,  pode se sentir ameaçado e ,  em “leg í tima defesa”,  atirar.

L embro  que, como deputado estadual,  em uma das férias, viajei de carro para o  N ordeste brasileiro. No estado do Maranhão ,  fomos parados pela  pol ícia daquele Estado. Após o diálogo formal e educado ,  apresentei os documentos solicitados pelo policial. Num dado momento ,  foi-me solicitado, educadamente, pelo policial, que abrisse o porta-malas do carro.

Sério, mas só para sentir a reação do policial, educadamente pergunto por que abri-lo. Ele responde : “é rotina, para verificar se transporta armas”. Para testá -lo respondi: “eu tenho porte de armas, portanto , posso transportá-las”.

O policial analisou o documento que me autorizava a andar armado e me liberou a seguir viagem, sem sequer vistoriar o porta-malas. O documento me deu a condição, caso desejasse, não só de transportar arma s , mas de transportar o que quisesse. Afinal, uma autoridade (o deputado) com porte de armas , na visão daquele policial e provavelmente de muitos outros, mesmo hoje, não pode ser questionada.

Nestes casos ,  o porte de arma pode ter mais de uma utilidade. Não é só o documento que te autoriza a andar com o instrumento que te permite matar alguém, mas também é o passaporte para traficar, contrabandear e outras coisas mais.

Faço estas reminiscências porque  dias atrás uma  c omissão  especial da Câmara dos Deputados aprovou, entre outras barbaridades,  um texto que  permite que deputados e  senadores  andem armados.

Mas , para não ficar nas reminiscências pessoais , vou recorrer à nossa história. São muitos os casos em que a arma foi usada por alguma autoridade. Um dos mais conhecidos é o que envolveu o senador Arnon de Mello, pai de Fernando Collor de Mello, senador pelo PTB de Alagoas. Arnon de Mello era um dos s senadores que andava armado e que ,  em 1963 ,  assassinou em plenário o senador José Kairala.

Na época ,  creio ,  não existia a  expressão bala perdida” . Pois bem ,  José Kairala foi vítima de uma bala perdida. Arnon de Mello atirou no senador Silvestre Péricles, mas errou e acertou José Kairala, que não tinha nada a ver com a briga.

Arnon e Péricles, os dois briguentos, foram presos, mas logo soltos e absolvidos. Afinal ,  o assassinato foi em “legítima defesa”.

No tempo em que deputados e senadores andavam armado s,  quem criou fama foi a “Lurdinha”.  Este era o nome da metralhadora que Tenório Cavalcanti, o famoso “homem da capa preta”, carregava. Andava de capa porque debaixo dela levava  um a metralhadora , a  “Lurdinha”.

Se  a excrescência  desse projeto aprovado virar lei , vai ser um tal de deputado e senador andar armado e de mão na cintura, mostrando o cabo da arma, a perguntar ao eleitor que por ventura  lhe faça qualquer questionamento: “ A lgum problema?”

Dr. Rosinha. Médico pediatra e servidor público (ex-deputado federal pelo PT-PR).

Viomundo: 06/11/2015.


Imagem: JL/G1 PI

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