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Mais de 80 entidades da sociedade civil organizada, inclusive sindicais como a CUT, MST, CMP, MTST, CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil), Intersindical, Conlutas e e importantes personalidades públicas como Paulo Vannuchi, ex-ministro de Direitos Humanos do governo Lula, Fabio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP; Maria Victoria de Mesquita Benevides, socióloga e professora titular da USP; Jorge Luiz Souto Maior, professor da Faculdade de Direito da USP; Heloísa Fernandes Silveira, socióloga, e Kenarik Boujikian, co-fundadora da Associação Juízes para a Democracia e juíza do TJ-SP vêm-se posicionando contra a aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 101, de 2015, de iniciativa da Presidência da República, que tipifica o crime de terrorismo no Brasil. O “Manifesto de Repúdio à Tipificação do Terrorismo”, cuja integra reproduzimos abaixo, alerta que “A proposta representa um grande retrocesso para os direitos de participação política no Brasil, porque deixará nas mãos de delegados e promotores o filtro para dizer se tal conduta é ou não de movimento social”. Lembrando que a pressão para que o governo brasileiro adote uma legislação antiterror deriva dos Estados Unidos e países da OTAN que vem buscando o alinhamento internacional para a sua política de “combate ao terrorismo”, sendo que num primeiro momento, especificamente por ocasião da Copa Mundial de Futebol de 2014, as autoridades do nosso país se esquivaram dessa adesão porquanto uma tal legislação específica não se justifica para o Brasil.

Manifesto de Repúdio a Tipificação Do Terrorismo

Está na Ordem do Dia do Senado Federal o PLC n° 101/2015, de autoria do Poder Executivo, e que tipifica o crime de terrorismo.

A proposta já aprovada no Plenário da Câmara dos Deputados prevê reclusão de 12 a 30 anos para a prática, por um ou mais indivíduos, de atos por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião, com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Ainda que faça a ressalva explícita de que não se enquadra na lei a conduta individual ou coletiva de movimentos sociais, sindicais, religiosos ou de classe profissional se eles tiverem como objetivo defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, a proposta representa um grande retrocesso para os direitos de participação política no Brasil, porque deixará nas mãos de delegados e promotores o filtro para dizer se tal conduta é ou não de movimento social.

Democracia se faz pelo voto e pela participação direta do povo. Essa participação se dá inclusive pela militância em movimentos sociais. Inúmeros militantes, entretanto, foram e estão sendo, através de suas lutas cotidianas, injustamente enquadrados em tipos penais como desobediência, quadrilha, esbulho, dano, desacato, dentre outros, em total desacordo com o princípio democrático proposto pela Constituição de 1988.

A proposta incrementa esse Estado Penal segregacionista, que funciona, na prática, como mecanismo de contenção das lutas sociais democráticas e eliminação seletiva de uma classe da população brasileira. O inimigo que se busca combater para determinados setores conservadores brasileiros, que permanecem influindo nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é interno, concentrando-se, sobretudo, nos movimentos populares que reivindicam mudanças profundas na sociedade brasileira.

Além disso, combater o terrorismo propriamente dito não é uma necessidade brasileira. Depredação, homicídio, uso de explosivos, etc., já são crimes no Brasil. A criação de uma figura específica atende, sim, a pressões externas, sobretudo dos Estados Unidos e de outros países da OCDE, que têm em consideração realidade muito diferente da nossa, sem qualquer histórico de episódios que se assemelhem ao terrorismo.

A justificativa de que a tipificação ao terrorismo atenderia à recomendação do GAFI (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo) tampouco é válida. A Lei sobre organizações criminosas – e todos seus instrumentos tais como colaboração premiada e infiltração — já se aplica às organizações terroristas internacionais cujos atos de suporte, de preparação ou de execução ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

É de se repudiar também emenda apresentada ao projeto que inclui “razões de ideologia e política” às motivações do terrorismo. É sabido que as lutas e manifestações de diversos movimentos sociais são causadas por motivos ideológicos e políticos, o que, certamente, é amplamente resguardado pela nossa Constituição.

Assim, fica claro que este dispositivo, caso seja aprovado, será utilizado pelos setores conservadores contra manifestações legítimas dos diversos movimentos sociais, já que tais lutas são realmente capazes de trazer indignação para quem há muito sobrevive de privilégios sociais.

Cumpre ao Congresso Nacional defender a jovem democracia brasileira e rechaçar projetos de lei cujo conteúdo tangencia medidas de exceção abomináveis como o nada saudoso ‘AI-5’. Desta maneira, repudiamos veementemente estas propostas de tipificação do crime que, sobretudo, tendem muito mais a reprimir e controlar manifestações de grupos organizados, diante de um cenário já absolutamente desfavorável às lutas sociais.

A Presidenta Dilma Rousseff, que já foi acusada da prática de terrorismo pela Ditadura Militar não deveria ter enviado este projeto ao Congresso e, caso aprovado no Senado, deverá ter a dignidade de vetá-lo. É o mínimo que se espera.

Viomundo: 08/10/2015 [http://bit.ly/1R2OlJn]


Imagem: Chapolin / midiaindependente.org

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