Em Conjuntura Internacional, Destaques

Nos EUA, o Centro para o Controle e Prevenção de Enfermidades (CDC, na sigla inglesa) publica anualmente uma lista das causas de morte mais frequentes nos atestados dos médicos legistas. Descendo das doenças do coração até catapora, com o suicídio aparecendo em torno do décimo lugar. The Economist (30.04.16) examinou os dados trazidos a público pelo CDC em abril de 2016, e verificou com espanto que a taxa de suicídios, declinante entre 1986 e o fim do século, passara ali a subir, registrando um aumento de 24% entre 1999 e 2014. Os EUA estão tomados por um crescimento do número de suicídios em todas as faixas etárias e nos dois gêneros. Em maioria, os homens se matam à bala e as mulheres tomam veneno, mas têm crescido os casos de sufocação e estrangulamento. O semanário correlata esses dados com outros fornecidos por pesquisas econômicas, segundo as quais está declinando nos EUA a expectativa de vida dos brancos pobres, ao mesmo tempo que se evidencia a relação entre desigualdade social e doenças.  “Tudo parece apontar na mesma direção: um mal-estar nacional, que põe em causa a ideia de que os EUA têm uma história de inexorável progresso.”

Quando colocados contra um mapa, os números coletados a partir de 2007 produzem um “corredor de suicídios”, que desce de Montana, no Norte, até o Novo México, no Sul, com a dimensão horizontal indo da ocidental Nevada até Colorado no Leste. A melhor explicação para essa concentração, conclui o analista londrino, é a de que nativos americanos e brancos não-hispânicos têm uma maior propensão para o suicídio do que os outros grupos étnicos. A região coberta pelo “corredor” tem uma grande concentração dos dois grupos assinalados. É ainda importante verificar que são homens de 75 anos ou mais, e não jovens insatisfeitos, os mais numerosos praticantes do suicídio. Um outro artigo, no mesmo número de The Economist, detém-se no lado demográfico deste assunto, chamando a atenção para que os EUA, após terem sustentado durante algum tempo uma “taxa de recuperação” no seu crescimento demográfico, viram o ritmo inverter-se, subitamente, após a crise financeira de 2008. A taxa de fertilidade nos EUA caiu de um ápice de 2,12, em 2007, para 1,86 em 2014. Essa queda no número de nascimentos foi de esperar, como reflexo das preocupações com dinheiro e moradia na esteira da crise financeira, mas está causando perplexidade ao persistir sete anos mais tarde.  Se e quando a taxa de fertilidade voltar a crescer, serão grandes as cosequências. A persistência de um baixo crescimento ajuda o governo a equilibrar suas contas, no curto prazo, por quanto haverá menos crianças para educar, mas efeitos nocivos tenderão a aparecer à medida que passe o tempo. Uma taxa de fertilidade de 1,86 projeta um déficit dobrado na segurança social, em 2089.

Em janeiro de 2016, Fareed Zakaria circulou um de seus ricos artigos, retomado por O Estado de S. Paulo (04.01.16). O escritor antecipa a situação descrita nos dois parágrafos anteriores, lançando a pergunta: “Por que a classe média americana, suburbana e conservadora, está se matando?” Zakaria apoia-se num já famoso estudo dos economistas Angus Deaton e Anne Case para assinalar que nos últimos 15 anos os brancos americanos de meia-idade vêm mostrando a tendência a morrer em números recordes. As coisas parecem muito piores para aqueles que têm apenas diploma secundário ou menos, mas de um modo geral as principais causas de morte são suicídio, alcoolismo, overdose de remédios controlados ou de drogas ilegais. Deaton sugeriu a globalização e as mudanças tecnológicas como explicação para a estresse e a ansiedade da classe média americana, mas o fato é que a tendência não aparece nos outros países ocidentais: é fenômeno exclusivamente dos EUA. Cabe também perguntar por que a tendência não se manifesta em outros grupos étnicos americanos. Enquanto aumenta ou permanece estável a mortalidade dos brancos de meia-idade, decrescem significativamente as taxas relativas a hispânicos e negros. O certo é que os EUA estão vivendo uma grande mudança na distribuição do poder. Os brancos da classe trabalhadora foram decisivos para dar força à economia e à sociedade americanas; à própria identidade do país. Não é mais esse o caso, e o segmento da população que se desgarrou dos antigos liames é amplamente responsável pelo fortalecimento de Donald Trump na corrida pela indicação republicana à Presidência. Vale dizer, está por trás das incertezas que marcam a atual fase da vida política dos EUA.


Imagem: theprisma.co.uk

Facebooktwitter