Em Destaques, Vida Nacional

As taxas de popularidade da Presidente da República têm sido — ao menos até aqui — uma função do incremento no nível de quatro fatores econômicos: o emprego, a renda, o crédito e o consumo. O ajuste fiscal anunciado por Dilma Rousseff pode colocar em risco o pacto político estabelecido no País há doze anos.

Ouviu-se o apito da panela de pressão quando o governo federal divulgou algumas medidas restritivas do gasto público, querendo alterar as regras para acesso a cinco benefícios previdenciários: seguro-desemprego, abono salarial, auxílio-doença, pensão por morte e bolsa-defeso.

As propostas feitas pelo Poder Executivo devem ser submetidas ao escrutínio do Congresso Nacional. Apresentadas às vésperas dos feriados do final de dezembro, estas medidas são rejeitadas pelas direções sindicais dos trabalhadoresi.

A imprensa noticiou que, descontentes, líderes dos trabalhadores ausentaram-se da solenidade de posse do segundo mandato de Dilma. E a tensão cresceu quando o novo ministro do Planejamento declarou que “o salário mínimo continuará a ter reajustes anuais acima da inflação, [mas] o governo vai propor ao Congresso Nacional uma nova fórmula de aumento entre 2016 e 2019” (blog do Kennedy, 2/1/15).

Para esvaziar imediatamente o contencioso, a Presidente teria instado a divulgação de nota, no dia seguinte: “O ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Nelson Barbosa, esclarece que a proposta de valorização do Salário Mínimo a partir de 2016 seguirá a regra de reajuste atualmente vigente. Essa proposta requer um novo projeto de lei, que deverá ser enviado ao Congresso Nacional ao longo deste ano. Assessoria de Comunicação Social / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 3/1/15”.

O governo teria optado por priorizar o encaminhamento parlamentar dos ajustes nas regras de acesso àqueles cinco benefícios, antes de administrar — em nome de um ajuste fiscal — outras frentes de conflito com importante segmento de sua base de apoio sócio-político.

Do episódio, Antônio Martins disse ser “possível extrair uma fotografia dos quatro elementos centrais que compõem a conjuntura brasileira hoje: (a) Dilma é presa de sua esquizofrenia. Ela fez uma campanha que alardeava ‘Mais Mudanças’, mas se convenceu erradamente, durante ou após as eleições, de que, nos últimos doze anos, os governos da esquerda fizeram mais do que era possível; e de que, portanto, é preciso recuar agora (‘Menos Mudanças’), antes de voltar a avançar; (b) Este recuo é tudo que a direita esperava. Como nota Luiz Gonzaga Belluzzo, a “nova” política do trio Levy-Barbosa-Tombini projetará a economia num cenário de recessão e corte de direitos do qual ‘será difícil sair’. Quando a Presidente tentar fazê-lo, estará na metade final de seu novo mandato, com força política reduzidíssima. O Congresso não lhe dará ouvidos; a mídia se encarregará de ridicularizá-la; a agenda política estará toda voltada para a escolha de seu substituto; (c) Tem-se, por isso, uma clássica ‘vitória de Pirro’. A esquerda elegeu a Presidente, mas ela está aprisionada numa agenda de direita. Executa o programa dos adversários e, ao fazê-lo, desgasta-se em nome deles. Eles têm suas principais propostas aprovadas e mantêm a confortável condição de ‘opositores’; (d) A direita está coesa; a esquerda, fragmentada.

Em grande medida devido à campanha eleitoral autofágica promovida pela própria Dilma, romperam-se as pontes de solidariedade entre as múltiplas sensibilidades dos que se julgam, de algum modo, contrários à lógica do capital. […]. [Conclui-se que], quarenta e oito horas depois de instalado, o segundo governo Dilma parece perdido” (‘Retratos de um governo acuado’ / blog Outras Palavras, 3.1.15).

Os críticos do governo identificam uma grave lacuna: faltaria um rumo definido para a gestão presidencial do período 2015/2018. O primeiro indicador desta situação foi a ausência — durante a campanha reeleitoral — de um programa de governo sistematizado. Outro indicador registrado: foi frustrante o resultado final da montagem do novo Ministério de Dilma Rousseff, com muitas críticas — à direita e à esquerda — vociferadas contra Joaquim Levy, Katia Abreu, George Hilton, Aldo Rebelo, Cid Gomes, Juca Ferreira, Antônio Carlos Rodrigues, Ricardo Berzoini, Eduardo Braga, Gilberto Kassab e José Eduardo Cardozo. E, por fim, as análises diagnosticam um esgotamento do modelo político (o ‘presidencialismo de coalizão’) e do estilo de crescimento econômico (fundamentado na expansão do consumo interno).

Se movimentos sociais organizados demonstram insatisfação crescente, a imprensa conservadora saúda diariamente a escolha da nova política econômica; é como se a apartasse do governo Dilma, criticado também todos os dias.

A sinalização cada dia mais clara é para um ajuste conservador como o defendido pela oposição, com a diferença que será aplicado gradualmente, se é que podemos considerar a enxurrada de aumento de preços públicos previstos para janeiro como algo gradual.

A questão internacional – redução do crescimento da China, crise na Argentina , queda acentuada do preço do petróleo e a estagnação da economia europeia – é pouco considerada pelos analistas pró mercado. A orientação é manter o chamado grau de investimento “concedido” pelas agencias de risco evitando assim perdas nos mercados de risco para os especuladores.

Continuamos sendo “bombardeados” com a necessidade de “arrumar a casa” para a retomada do crescimento econômico o mais breve possível, mas, se os termos de troca no mercado internacional continuarem nos patamares atuais, provavelmente de pouco vai valer esse esforço, a conferir.

O desafio à nova gestão é evitar ser caracterizada como um ‘velho governo’. Para isso, é preciso resgatar a capacidade governamental de pautar positivamente a conjuntura política, pois este poder da Presidência da República foi sendo minado — desde o segundo semestre de 2013 — pelas ações do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Congresso Nacional e também pelas ‘vozes que vêm da rua’. A pressão da mídia funcionou como o fator sobredeterminante de todo este processo.

i Mudanças nos abonos e pensões: erro duplo do governo. Agência DIAP, 30 Dezembro. 2014). Link: http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24777%3Amudancas-nos-abonos-e-pensoes-erro-duplo-do-governo&catid=45%3Aagencia-diap&Itemid=204)


Créditos de imagem: alertanews.com.br/

Facebooktwitter